O que diria Warren Buffett? - Por Arnaldo Luiz Corrêa

O que diria Warren Buffett? - Por Arnaldo Luiz Corrêa

Acho que foi o investidor Warren Buffett que discorreu há algum tempo sobre a diferença entre preço e valor. Para ele, preço é o que se paga por um ativo ou serviço, ao passo que valor é o que se leva. Nem sempre os dois estão no mesmo nível. Às vezes paga-se muito comparativamente ao valor daquele ativo outras paga-se pouco pelo valor daquele ativo. Para o investidor do mercado acionário, um bom negócio é comprar uma ação cujo preço esteja abaixo do valor da empresa e, pela mesma lógica, vender uma ação cujo preço negociado pelo mercado esteja acima do valor da empresa.

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a sexta-feira extremamente desvalorizado, com o vencimento outubro/2018 negociado a 10.96 centavos de dólar por libra-peso uma queda de 55 pontos na semana, equivalentes a 12 dólares por tonelada. O preço mais baixo desde abril.

Será que o preço atual do açúcar está abaixo do seu valor? Se Warren Buffett fosse investir no açúcar, de qual lado o megainvestidor se posicionaria? Ele tem sabidamente uma abordagem de longo prazo e, evidentemente, para esse exercício de ficção que estou aqui a propor, o mercado de commodities tem características bem diferentes do mercado acionário que impedem posicionamento de longuíssimo prazo. Mas, vamos lá.

No final de 2016, quando o açúcar em NY negociava muito próximo dos 24 centavos de dólar por libra-peso, para nós era claro que o preço negociado estava acima do valor do ativo. Commodities que negociam, como era o caso do açúcar naquele período, extraordinariamente acima do custo de produção sem que haja alguma ruptura na oferta e demanda do produto, estimulam a produção até o ponto em que os preços entram em equilíbrio com o valor do produto. No último trimestre de 2016, olhando para os preços que o mercado futuro apontava para 2018/2019 (todos acima de 16.50 centavos de dólar por libra-peso), era para vender tudo que desse, pois naquele momento preço estava acima do que o produto valia. Mas isso já é história. 

O que vemos hoje no mercado de açúcar é uma situação em descompasso com o futuro que se avizinha. O preço do açúcar no mercado futuro em NY reflete uma situação momentânea (já explico) que desvaloriza o produto para muito aquém do seu valor. Não é comum que o mercado internacional negocie tão abaixo do custo de produção do mais competitivo produtor, pois o efeito disso é o oposto daquele mencionado do parágrafo anterior. Desestímulo na produção, falta de cuidados culturais, enxugamento nos investimentos, atraso na expansão e por aí vai. Mas, ainda assim, por que isso ocorre?

Nem vamos mencionar o superavit mundial pois esse está há muito fatorado nos preços. O custo de produção de açúcar no Centro-Sul, está num intervalo que vai de 42 até 49 reais por saca, posto usina, sem custo financeiro nem depreciação, ou seja, basicamente o custo caixa. Tomando por base o dólar médio dos últimos trinta dias, o custo de produção no Centro-Sul está entre 11.30 e 13.00 centavos de dólar por libra-peso FOB Santos, ou seja, a mais eficiente usina do país não consegue vender açúcar com margem de lucro no nível atual de preço do fechamento de NY.

Assim como o mercado acionário estressa em situações de pânico político e/ou econômico, o mercado de commodities estressa principalmente em rupturas da oferta e demanda. O que tem sido particularmente determinante na derrocada de preços do açúcar, em nossa opinião, é o atraso na fixação de preços por parte das usinas. Até o final de maio, apenas 60,6% das vendas para a safra 2018/2019 estavam fixadas. Há duas safras esse percentual era de 85%. Essa fragilidade potencializou a queda de preços pois as usinas foram forçadas a fixar seus contratos cujos açúcares já estavam prontos para embarcar. Houve flagrante pressão vendedora e ainda há remanescentes desse processo.

Ocorre que essa pressão será em breve desativada pela combinação de três fatores que estão amadurecendo: o primeiro (de curto prazo) é a redução de moagem para esta safra; mesmo as usinas mais eficientes registram queda de 2-3% do volume preliminarmente estimado, as menos eficientes anotam queda de até 10%. Se isso ainda não foi refletido nos preços é porque a cana mais seca (isoporizaç?o) vai ser moída a partir de julho e agosto e vai aparecer nos números da UNICA até a primeira quinzena de setembro.

O segundo (de médio prazo) é que muitas tradings estão pagando ou pagaram açúcar adiantado para as usinas com base no julho (que já expirou) ou no outubro, cuja contrapartida delas é carregá-lo em seus armazéns, gratuitamente, até que as tradings resolvam dispor dele. O spread outubro/março chegou a negociar com um carrego embutido de quase 25% ao ano. Ou seja, há um potencial enxugamento de produto para o último trimestre do ano.

O terceiro, de longo prazo, é que no ano que vem a disponibilidade de cana no Centro-Sul, pelo andar da carruagem, deverá ser menor ainda do que a desse ano (540 milhões de toneladas de cana) e o Brasil vai ter que resolver uma equação que tem de um lado a diminuição da oferta de açúcar e do outro, o aumento do consumo de combustíveis (ciclo otto) e o aumento da frota de veículos leves (e mais de 2.5 milhões de unidades em dois anos descontado o sucateamento). A equação não fecha.

Os três pontos mencionados podem ser potencializados se o preço do petróleo no mercado internacional continuar seu ritmo de alta, se o mix de produção no Centro-Sul mostrar o percentual destinado ao açúcar abaixo de 39% e se os fundos resolverem mudarem o atual posicionamento de vendido para comprado.

A recuperação de valor do açúcar estará comprometida caso tenhamos o abandono da política de formação de preços da Petrobras ou venhamos a eleger um populista néscio como Ciro Gomes, por exemplo.

Enfim, são tantas as indefinições que é compreensível que o mercado aja movido pelo medo. Nesse momento cabe ao trader disciplinado definir se o preço do açúcar hoje tem um valor justo ou se está desvalorizado demais. O que diria Mr. Buffett?