Não há como não ficar otimista em relação ao Brasil para o próximo ano. Todos os indicadores econômicos estão mais positivos do que se esperava. O ambiente de negócios passa a conviver com uma taxa de juros no nível mais baixo da história recente. Existe concreta possibilidade de reformas estruturais serem aprovadas no primeiro trimestre do ano legislativo. No setor sucroalcooleiro, o sentimento não é diferente.
Por exemplo, a agência de classificação de risco e crédito Moody’s mudou sua perspectiva para o setor sucroalcooleiro de negativa para estável por conta de uma melhora do EBITDA que reflete os bons preços do etanol obtidos durante a safra 2019/20. Eles acham, curiosamente, no entanto, que a diferença entre os preços dos dois produtos (açúcar e etanol) só irá convergir nas próximas 2-3 safras! Seja lá o que isso significa na conta da agência, parece claro que ela assume que as margens de etanol e açúcar permanecerão estáveis por um par de safras ao menos, o que também concordamos.
A perspectiva de consumo do etanol é muito boa. Haja vista o crescimento do ciclo Otto que tem se mostrado consistente e vigoroso, com viés de alta. Se o consumo, no acumulado de doze meses, subiu 2.63% e nos nove primeiros meses do ano subiu 3.6%, é razoável admitir que esse número pode chegar a 5% até o final da safra.
Apesar de o consumo total de combustíveis, no acumulado de doze meses, ter atingido o recorde em volume, com 60.3 bilhões de litros em setembro último, o consumo em gasolina equivalente ainda está 1.2% abaixo do maior volume alcançado em 2015. Existe uma demanda reprimida que com a melhora do poder aquisitivo da classe média vai fazer esse volume ser alcançado brevemente.
No entanto, o otimismo no consumo enfrentará um contratempo. Analistas de peso no setor estimam que o estoque de passagem do hidratado nesta safra poderá se resumir a apenas 8 dias de consumo. Evidentemente que isso vai refletir nos preços do produto no mais tardar na segunda quinzena de janeiro e o preço do etanol pode subir mais 5-10%, ainda segundo as mesmas fontes.
O açúcar em NY se recupera de maneira mais tímida, mas com alguma coerência. O vencimento março/2020 encerrou a sexta-feira a 13.50 centavos de dólar por libra-peso, cerca de 7 dólares por tonelada acima do fechamento anterior. A posição dos fundos divulgada pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), a agência americana reguladora do mercado de commodities, mostrou que, com base dos números da terça-feira passada, os fundos viraram a mão e agora estão comprados 13,500 contratos, o que significa que compraram 90,000 contratos e moveram o mercado apenas 60 pontos.
É fato que o mercado de açúcar é mais construtivo. Os fundos agora estão do lado dos fundamentos em que tanto batemos a tecla aqui. Ouso dizer que grande parte de suas recompras teve como contrapartida as fixações de preços dos produtores, não apenas do Brasil. Aqui também, comentam os corretores de futuros, houve muitas fixações de preço em centavos de dólar por libra-peso e em reais por tonelada com a utilização de NDF (contrato a termo de dólar com liquidação financeira).
O mercado mudou, então? Ao infinito e além?, como diria Buzz Lightyear. Um pouco de prudência: o mercado pode ter perdido a pressão de venda dos fundos, no entanto caso NY chegue perto dos 14 centavos de dólar por libra-peso nós vamos assistir, sem a menor dúvida, à Índia adicionar entre 700 mil e 1 milhão de toneladas de açúcar às suas exportações.
As usinas, de um modo geral, estão parcimoniosas com as vendas de açúcar para exportação para o próximo ano, embora o mercado acredite que 30-35% do volume de vendas para a safra 2020/2021 já esteja fixado. O percentual baixo de fixação mostrado pelo modelo da Archer Consulting na semana passada parece refletir essa preocupação das usinas. Ou seja, produzir mais etanol ou produzir mais açúcar? Se o açúcar em NY não encostar na paridade do preço do hidratado nós vamos assistir a uma redução substancial da disponibilidade de açúcar do Centro-Sul. E isso vai empurrar NY para cima.
O real, em função da melhora do rating do Brasil, aponta em direção aos R$ 4,0000 o que em tese reduz o preço de importação da Petrobras e barateia a gasolina ao consumidor, pressionando o hidratado. Ocorre, que para contrabalancear essa expectativa, analistas do mercado de energia acreditam que um novo ciclo de preços altos do petróleo estará logo em cartaz. Assim, pode ter efeito nulo uma eventual valorização do real.
A pergunta de um milhão de dólares é se os fundos vão continuar comprando. Temos que esperar o mercado abrir na segunda. Nas últimas semanas, o mercado deu oportunidade às usinas mais bem estruturadas de comprar puts (opções de venda), com a volatilidade baixa, para proteger seja ao menos o custo de produção, ou o valor do orçamento ou ainda um nível de EBIT satisfatório. Essa oportunidade pode se repetir. Convém, como sempre, não se apaixonar pelo mercado pois ele é infiel demais. Ele dá, ele tira.
O foco deve continuar na fixação de preços olhando a moeda (real). Ah, mas e se depois de eu fixar a venda do meu açúcar o mercado continuar subindo? Se você acredita nessa possibilidade existem várias alternativas de hedge ou de participação na alta. Oriente-se para escolher a melhor. Mas, não conheço nenhuma empresa que tenha quebrado vendendo seu produto acima do custo total.
Veja o que aconteceu com o mercado de café nos últimos vinte dias. Subiu de maneira abrupta e irracional sem que nada houvesse mudado nos fundamentos. Os fundos entraram comprando, acionaram o gatilho de stop atingindo aqueles que estavam vendidos à descoberto nas calls (opções de compra), mais o pânico instaurado, mais operações de OTC mal estruturadas e foi um banho de sangue. Na sexta-feira, aparentemente quem tinha que cuspir fora a posição já tinha feito, o mercado caiu no vazio quase 6% e na segunda-feira que vem, mais uma dose de pânico pode ocorrer no mercado.
Bem, mas o que pode dar errado para que 2020 não seja tão róseo? Parafraseando John Lennon: “o mercado é o que acontece com você enquanto está ocupado fazendo planos”. Uma crise mundial, uma crise financeira, uma crise política, um derretimento das commodities, uma recessão, um twitter do Trump, uma fala do Bolsonaro. Enfim, estamos sempre caminhando sobre gelo fino.
Este é o nosso último comentário do ano. É tempo de recarregar as baterias para um ano que deverá ser promissor. É tempo também de agradecer aos nossos clientes, amigos e leitores pelo apoio que nos tem dado há mais de 10 anos. Voltaremos aqui discutir as questões mais relevantes do setor sucroalcooleiro na primeira semana de fevereiro de 2020. Gostaria de desejar a todos vocês Boas Festas e um Ano Novo auspicioso.