Se você está lendo este comentário, caro leitor e prezada leitora, isso significa que você sobreviveu, mesmo que às duras penas, ao turbilhão que se apoderou do mundo e, ao que tudo parece, ainda está bem longe de terminar.
Se alguém disser que tem a menor ideia do que pode acontecer na próxima semana (nas próximas 24 horas, alguém?) com os mercados, certamente ou está especulando ou sofrendo prematuramente os efeitos alucinógenos da quarentena impostas a todos nós. Ninguém sabe.
Nessas horas o melhor a fazer é estressar o cenário até onde vai nossa imaginação e tentar exceder o que tal cenário pode impactar no resultado da empresa. E, mesmo estressando, convenhamos, nem somos muito bons nisso. Se há apenas 30 dias alguém dissesse numa roda, cercado de seus pares do mercado de açúcar, que NY iria negociar abaixo de 11 centavos de dólar por libra-peso e o dólar valeria mais do que 5 reais, iria receber uma sonora vaia ou uma sardônica gargalhada. Pois é, temos dificuldade de lidar com o acaso.
As lições que estamos aprendendo nesse conturbado momento serão extremamente valiosas, particularmente se forem assimiladas. Como dissemos aqui, na semana passada, temos que treinar nossa mente assiduamente para enxergar o mercado de maneira abrangente, não nos restringindo tão somente à nossa visão muitas vezes alimentada por estritos vieses.
Quando tratamos de riscos, existem diversas metodologias para quantificá-los e mitigá-los, seja por meio de opções, seguros ou outros derivativos estruturados para esse fim. Em tempos bicudos, como os que estamos passando, até mesmo a proteção mais simples acaba se tornando extremamente cara em função da elevada percepção de risco endêmico do mercado que provoca um aumento substancial na volatilidade fazendo com que a proteção que buscamos fique impraticável do ponto de vista financeiro. Tente, por exemplo, comprar uma call (opção de compra) ou put (opção de venda) de câmbio junto aos bancos nesse momento. Uma enorme volatilidade será embutida na formação de preço em função da procura por esse tipo de estrutura e da percepção de risco por parte do agente financeiro.
Quando tratamos de incerteza, a coisa é mais complicada. Não temos como nos proteger das incertezas. Resta-nos pensar de maneira proativa e evitar tomar decisões com base no pânico. Como disse Warren Buffet, “o mercado é uma máquina de transferir dinheiro dos impacientes para os pacientes”. Poderíamos adicionar que o mercado é uma máquina de triturar vaidades.
Voltemos ao mercado de açúcar. Impressiona como as coisas mudam num piscar de olhos. O ano de 2020 prenunciava um tom mais otimista para com o mercado sucroalcooleiro. O petróleo ao redor de 50 dólares por barril assegurava excelente competitividade para o etanol hidratado e o mix de produção pró açúcar seria ligeiramente elevado em conformidade com o fortalecimento da moeda americana. A economia brasileira teria, na visão do mercado, um crescimento da ordem de 2.0-2.4% que projetava (nosso número) um aumento do consumo Ciclo Otto para 2020 em 5%. O coronavirus e a picuinha entre Arábia Saudita e Rússia viraram esse quadro róseo de cabeça pra baixo.
O governo brasileiro decretou estado de calamidade pública, aprovado pelo Congresso, até 31 de dezembro. O comércio em geral, shoppings, cinemas, teatros, bares e restaurantes, serviços, etc em praticamente todas as principais cidades do país estão fechados. O consumo de combustíveis, alguns se atrevem a estimar, pode derreter em 50% nesse período de quarentena que, preliminarmente, deve durar até o final de abril. Companhias aéreas amargam enormes prejuízos e cancelaram 70% de suas rotas nacionais e internacionais. O petróleo, no momento que este comentário é escrito, negocia abaixo de 20 dólares por barril. Que quadro, possivelmente, pode ser traçado sob essa condição, senão um bem drástico?
As usinas que fixaram seus açúcares antes desse banho de sangue estão aliviadas. Tomara que não sejam picadas pelo bichinho da especulação e recomprem suas posições de futuros para depois achar que conseguirão vender novamente num preço mais alto (algumas fizeram isso em 2016 e estão arrependidas até hoje).
Esse quadro de incertezas e sustos contínuos aponta para um enorme crescimento do mix de açúcar para esta safra de 2020/2021. Não há dúvida que usinas organizadas e capitalizadas, que administram sua própria mesa de futuros e opções vão dar prioridade ao açúcar. Nossa estimativa preliminar é que o mix de açúcar para a safra 2020/2021 possa alcançar 44% (contra 34.5% da safra 2019/2020). Mais açúcar será produzido do Centro-Sul num momento em que se estima que menos açúcar será consumido no mundo em consequência da recessão que veremos ao longo do ano.
Pouco produtores mundiais conseguem sobreviver sem subsidio governamental. O fechamento de NY na semana, de 10.90 centavos de dólar por libra-peso combinado com o dólar cotado a R$ 5.0267 equivalem a R$ 1,259 por tonelada FOB Santos, um valor que remunera condizentemente boa parte das usinas do Centro-Sul. Para se ter uma ideia desse valor, em 2017 a média de NY foi de R$ 1,155 por tonelada, em 2018 R$ 1,023 e em 2019 R$ 1,118 por tonelada.
O que vai impactar de maneira negativa o resultado das empresas do setor é o etanol hidratado que vai sofrer a redução do preço da gasolina na bomba (a Petrobras ainda tem espaço de R$ 0,30 por litro para redução) e a enorme contração do consumo de combustíveis. O que parecia ser um ano promissor para o setor transformou-se num ano que vai exigir enorme capacidade de gestão, muita engenhosidade, paciência e determinação.
O setor deverá buscar ajuda governamental para postergar impostos a pagar e criação de linha emergencial para conseguir atravessar um mar revolto num cenário que tudo parece dar errado.
Nos bastidores, comenta-se que uma trading de renome está encontrando enorme dificuldade de ter a carta de crédito aberta pelo comprador.