O setor do etanol, outra vítima do coronavírus - Por Celso Ming

O setor do etanol, outra vítima do coronavírus - Por Celso Ming

Sem normalização da economia e do mercado de petróleo, não haverá clareza sobre como consertar estragos causados pela crise no setor sucroenergético

O petróleo não cai sozinho. Todos os mercados de energia também vêm sendo duramente atingidos. E um deles é o do etanol, produto estratégico no Brasil.

A principal condição técnica do etanol é a de que tem, por volume, apenas 70% do teor energético da gasolina, seu principal sucedâneo no uso dos motores a combustão (ciclo Otto). Antes da crise, os preços do etanol estavam ligeiramente abaixo do correspondente a 70% da gasolina. Na hora de encher o tanque do seu carro flex, o consumidor fazia uma conta sumária. Se os preços do etanol ficassem a 70% dos preços da gasolina ou abaixo disso, optava pelo etanol. Como, de dois meses para cá, os preços da gasolina caíram mais de 50%, o etanol já não consegue competir com a gasolina, por mais que as usinas comprimam seus custos.

Este é um problemão do setor, no momento exato em que começa a safra da cana-de-açúcar no Centro-Sul. Para todo o Brasil, a produção para o período 2019/20 está estimada em 643 milhões de toneladas, 3,6% superior à do período anterior. O açúcar, outro produto derivado da cana, ainda proporciona um retorno maior do que o etanol porque os maiores concorrentes internacionais do Brasil, especialmente a Índia e a Tailândia, vêm tendo sua produção e sua logística desorganizadas pela reação ao ataque do vírus.

Nos últimos anos, a produção de açúcar no País correspondeu a aproximadamente 35% do total da sacarose obtida com a moagem da cana. Neste ano, as usinas integradas (as que podem produzir tanto etanol quanto açúcar) poderão aumentar a participação de açúcar no total. Mas, em todo o setor, essa participação não deverá ser superior a 45% do total.

De todo modo, a vantagem do açúcar sobre o etanol, reforçada agora pela alta do dólar no câmbio interno, que aumenta o faturamento em reais do produtor com suas exportações, está longe de compensar o rombo produzido pelo mergulho dos preços do etanol.

Afora isso, há o passivo anterior. Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), observa que as empresas do setor começaram a safra deste ano com alto nível de endividamento, consequência do custeio a que foram obrigadas para modernizar suas lavouras e aumentar produtividade, prejudicada pela crise de 2015.

Das outras vezes em que a competitividade do etanol resvalou para abaixo da paridade técnica com a gasolina, a solução foi adicionar álcool anidro à gasolina. Mas, hoje, essa mistura atingiu 27% na gasolina comum, já no teto do admissível, de modo a não prejudicar os motores não adaptados para operar tanto com gasolina como com etanol.

Outra proposta, defendida pelo ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, é acionar a Cide, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. A Cide não é um imposto destinado a arrecadar, embora também arrecade. Seu objetivo é funcionar como válvula reguladora do mercado. Quando aplicado sobre combustíveis, seu objetivo é restabelecer a paridade entre eles, de maneira a reequilibrar o mercado.

No caso, a sugestão do ex-ministro é encarecer a gasolina com a Cide, de maneira a restabelecer o espaço do etanol no mercado. O problema aí é que os preços dos derivados do petróleo vêm tendo comportamento maluco, a ponto de não permitir a definição da alíquota apropriada para a Cide. Rola ainda a proposta de aplicar a Cide para desonerar o setor de contribuições trabalhistas, mas esse é outro assunto.

Outras opções de política compensatória não passariam de paliativos. A atual ministra da Agricultura, Tereza Cristina, vem defendendo a redução da contribuição do PIS-Cofins cobrada sobre o etanol. E Pádua Rodrigues, da Unica, sugere a redução dos juros no financiamento dos estoques.

Nenhuma dessas propostas reverte o problema mais grave, que é a derrubada do consumo de combustíveis nesta temporada de isolamento da população e de brutal queda da atividade econômica. Enquanto a economia não voltar ao normal e enquanto não houver um mínimo de estabilidade no mercado de petróleo, também não haverá clareza sobre o que esperar do setor e como consertar os estragos causados pela crise.

Celso Ming é colunista de economia do jornal O Estado de S. Paulo - Com Guilherme Guerra