O trader mentiroso - Por Arnaldo Luiz Corrêa

O trader mentiroso - Por Arnaldo Luiz Corrêa

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana em acentuada queda 91 pontos, pouco mais de 20 dólares por tonelada. O vencimento outubro encerrou o pregão a 17.24 centavos de dólar por libra-peso. Os meses com vencimento mais curto caíram mais do que os meses com vencimento mais longo. E os valores em reais por tonelada continuam caindo no curto prazo enquanto os preços para as curvas futuras seguem apreciando. Os fundos continuam pesadamente comprados, agora com 223,000 contratos segundo o CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities.

Um amigo economista costuma dizer que fazer previsão da trajetória do dólar é o grande destruidor de reputações de qualquer analista e economista, sobretudo no Brasil, país acostumado aos solavancos perpetrados pelas intermináveis crises que se revezam, sejam elas políticas, fiscais, financeiras, sanitárias ou de qualquer outra natureza. Essas imponderabilidades, muitas vezes, reduzem o economista a um astrólogo de terno e gravata.

No entanto, existe um aspecto que é indiscutível sobre o câmbio: ele será tão mais instável quanto maior for a desconfiança do mercado em relação à política do governo de plantão. Exemplificando, tomando por base o quinto semestre de mandato de Bolsonaro com o mesmo período de Lula e Dilma, a volatilidade deste governo é 80% maior do que aquela no mesmo período no governo de Dilma e 50% maior do que no governo Lula, ambos no primeiro ano de mandato. Ou seja, a percepção de risco cambial hoje é muito mais alta do que nos governos anteriores tornando as operações de proteção obviamente mais custosas para as empresas. E a tendência é piorar dado o cenário conturbado que se antevê tendo em vista as eleições presidenciais para o próximo ano.

Até o início do mês passado, a correlação do câmbio (R$/US$) com a cotação do açúcar em NY chegou a 0,9211 indicando enorme aderência entre os dois ativos. Se o real se valorizava frente à moeda americana, o contrato futuro de açúcar subia na magnitude da aderência. No início da pandemia, com a moeda brasileira derretendo em relação ao dólar, o açúcar também foi na mesma direção chegando a negociar 10.44 centavos de dólar por libra-peso. De junho para cá, essa correlação se evaporou.

Entendemos que a subida de preço do açúcar no contrato de NY na semana retrasada e a queda ocorrida na semana encerrada nesta sexta-feira em nada tem a ver com as oscilações do real. Na alta, uma combinação de fatores macro e uma boa dose da mão pesada dos fundos que defendiam uma posição comprada em um mercado cujo primeiro spread mostra um carrego de 5% ao ano. Ponha-se na posição do gestor do fundo e analise o que você faria: a) rolaria a posição comprada no outubro para o vencimento março/22 pagando um carrego (caro) equivalente a 5.4 % ao ano; b) venderia o outubro embolsando um lucro extraordinário e, ao mesmo tempo, se posicionaria na compra do março quando a cotação desse se aproximasse do preço de realização do outubro?

Claro que existem maneiras via opções de se rolar a posição comprada de outubro para março a custo zero, mas implicam em riscos que precisariam ser assumidos para a execução dessa operação, e nem sempre os fundos olham para esse tipo de oportunidade dado o percentual pequeno do açúcar no portfolio de um fundo especulativo.

Dando sequência ao assunto geada, abordado aqui na última semana, vale ressaltar que, ao contrário do que dissemos, embora preliminarmente pudéssemos imaginar que o dano fora perto de zero, alguns agrônomos discordaram (e com razão) da nossa afirmativa explicando que há necessidade de se aguardar de sete a dez dias para poder dar uma opinião balizada acerca dos eventuais danos sofridos pela planta. Portanto, vamos aguardar.

Independentemente do veredito, um dado que me surpreendeu, publicado pelo CTC, o afamado Centro de Tecnologia Canavieira, indica uma retração de 2.4% na área plantada de cana. Esse é apenas mais um dos pontos que – acredito – podem dar um impulso desproporcional aos preços do açúcar para 22/23 em diante. E temos que estar atentos a todos esses importantes detalhes.

É muito difícil construir, com os elementos que temos hoje, um cenário negativo para o setor para os próximos anos.  Não quero ser extremamente otimista para não criar falsas ilusões na cabeça dos prezados leitores, mas os elementos estão aí para serem sabatinados e validados.

A safra 22/23, na melhor das hipóteses, repete a safra atual que está sendo colhida. Ainda que haja alguma melhora em termos de volume, ninguém espera nada substancial. Portanto, as chances residem na mesma produção de ATR.

Nestes últimos doze meses o Brasil exportou mais de 32.5 milhões de toneladas de açúcar, adicionando em doze meses comparativamente ao período anterior, quase 13 milhões de toneladas, recuperando sua liderança no mercado internacional. Substituiu a contento aqueles países cuja produção caiu abrindo espaço para o açúcar brasileiro. Que maravilha.

Só que, nos anos adiante, o que temos com grande probabilidade é a Índia destinar cada vez mais cana para a produção de etanol a ser misturado na gasolina, reduzindo o gasto que aquele país tem com a importação de petróleo. Com isso, nossos amigos indianos fortalecem seu mercado interno via menor disponibilidade de açúcar, e caminham no espaço de 4-5 anos para consumirem todo o açúcar/etanol que produzem. Nossa estimativa é que a Índia passe dos atuais 28.5 milhões de toneladas consumidas por ano, para 31 milhões de toneladas em 2026. Essa aceleração tanto de consumo doméstico quanto do direcionamento de mais cana para a produção de etanol vai depender da recuperação da economia pós-pandemia e do preço internacional do petróleo.

Se o mundo deve passar de um consumo anual de 173 milhões de toneladas de açúcar para 184 milhões de toneladas em cinco anos, qual país poderá ajudar a suprir essa demanda adicional que é calcada principalmente no binômio aumento da renda per capita x crescimento populacional das principais economias asiáticas que não se restringem à China e Índia? “Brasil”, bradarão todos em uníssono. Não é bem assim.

É fato que temos uma demanda represada de combustíveis no Brasil. A pandemia enxugou, pelos nossos cálculos, uma demanda adicional de sete bilhões de litros que estava sendo construída pela recuperação prevista em fevereiro de 2020, antes portanto da eclosão do vírus. A retomada da atividade econômica vai provocar uma melhora substancial na demanda por combustíveis e vai tornar a equação de oferta açúcar/etanol ainda mais complicada e apertada.

Com menor produção para 22/23 e um potencial enorme de crescimento do consumo interno e externo, o Brasil não tem cana suficiente para atender essa demanda. Investimentos, expansões, brownfields e greenfields terão que estar na ordem do dia. O Brasil, num cálculo preliminar, precisaria produzir minimamente 125 milhões de toneladas de cana a mais em 5 anos. E se não fizer?

Qualquer curso introdutório de economia vai dizer que quando a oferta é menor do que a demanda os preços sobem. Sim, mas no Brasil o governo pode reduzir a mistura de etanol na gasolina dos atuais 27% até 18%. Também nada garante que isso resolva a questão se o preço do petróleo combinado com um real mais fraco acabe apagando a vantagem econômica que a redução na mistura provocaria.

Ah, mas o Brasil produz etanol de milho. Verdade, mas igualmente a seca que atingiu o canavial também atingiu o milho. E os estados do Sul, principais produtores de suínos e aves do País, terão que trazer milho de outros estados e ainda não se sabe o efeito que essa cobertura vai ter sobre a viabilidade econômica na produção de etanol de milho. Além de tudo, poderemos ter uma explosão de preços alimentada pela demanda mundial de proteína.

“Se eu soubesse disso, não teria fixado meu açúcar”, me disse um executivo. Esse é o grande e indecifrável dilema de toda tomada de decisão. Os livros acadêmicos ressaltam esse ponto: quando você faz o hedge, abre mão de eventual continuidade da tendência de preços. Sempre alertamos que as fixações de preços estavam/estão extremamente remunerativas. Nossa recomendação tem sido a de olhar a fixação de preços como meta do EBITDA perseguido pela empresa, fixar preços em reais por tonelada e comprar calls (opções de compra) 200 pontos acima do valor fixado como uma proteção. Tem funcionado para quem segue as regras disciplinarmente. Só o trader mentiroso compra na mínima e vende na máxima.

===

Para relaxar: 31% dos trabalhadores americanos acreditam que ouvir rock clássico durante o expediente aumenta a produtividade. Estão na lista bandas como Creedence Clearwater Revival, Beatles, Rolling Stones, The Who e Led Zeppelin. Ainda há esperança no mundo.

 

Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista do Grupo IDEA.O nosso papel é apenas a veiculação do conteúdo.