Palavras do Dr. Plinio Nastari na Embaixada do Brasil em Londres - Por Plinio Nastari

Palavras do Dr. Plinio Nastari na Embaixada do Brasil em Londres - Por Plinio Nastari

Excelentissimo Embaixador Antonio de Aguiar Patriota, Excelentissimo Embaixador Jose Augusto de Andrade Filho, Ilustríssimo Diretor Executivo da Organização Internacional do Açúcar, José Orive, Ilustríssima Diretora Executiva da Organização Internacional do Café, Vanusia Nogueira, Ilustríssima Senhora Vera Innes, presidente da Câmara Brasileira de Comércio na Grã-Bretanha, Senhor Julio Cesar Ramos, Subsecretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, representando o Ministro Carlos Fávaro, Doutor Pedro Robério de Melo Nogueira, presidente do Conselho do Agro da Confederação Nacional da Indústria, presidente do Sindaçúcar Alagoas e Chairman do Seminário da ISO deste ano, através de quem cumprimento todos os representantes de entidades de produtores de açúcar e etanol, Sr. Paulo Leal, presidente da FEPLANA, Federação dos Plantadores de Cana do Brasil, através de quem cumprimento todos os representantes de entidades de produtores de cana-de-açúcar aqui presentes, Demais Autoridades presentes Senhoras e Senhores.

A transição energética eficaz, econômica, acessível, inclusiva, e tecnicamente viável tornou-se fundamental para limitar os efeitos do aquecimento global. Desde a Revolução Industrial a concentração de CO2 na atmosfera aumentou mais de 50%, e por isso já enfrentamos um aumento médio da temperatura global de 1,1 grau Celsius. As consequências deste fenômeno no cotidiano estão sendo sentidas através da maior frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, com graves repercussões na segurança física, alimentar, e na biodiversidade. No meio cientifico e no meio político há uma grande preocupação com a busca de soluções e a definição de políticas públicas que orientem o setor privado na direção de pesquisas, inovações e investimentos que levem ao objetivo da emissão liquida zero de carbono em 2050, em setores e empresas. Cresce a consciência de que não haverá uma solução única, de aplicação universal, e sim soluções adaptadas a cada país.

Dentre as dez maiores economias do mundo, onde o Brasil se coloca como nono colocado, nosso País é o que tem a oferta primaria de energia mais renovável, com 47,4%. Destaca-se dentre as fontes renováveis a cana-de- açúcar, com 15,4% em 2022, que já foram 19% mas o percentual caiu momentaneamente devido ao impacto da seca em 2021 e 2022, mas com potencial de avançar ainda mais, integrando outras culturas como o milho e o uso de resíduos orgânicos agrícolas e resíduos urbanos.

Nos últimos anos, o etanol já substituiu entre 39,6% e 48,4% da gasolina consumida, e a bioeletricidade representa 4,4% de toda a geração elétrica, podendo crescer ainda mais, bastando que sejam reconhecidos todos os seus atributos e vantagens por ser energia firme e complementar às energias hidráulica, eólica e fotovoltaica. Investimentos em etanol celulósico se multiplicam. O biogás e biometano são estratégicos, podem substituir o diesel em operações agrícolas e no transporte urbano, e representam a geração distribuída de gás natural, menos poluente. O etanol é a matéria prima ideal para a produção de combustivel sustentável de aviação (SAF), e a captura e o uso industrial de CO2 biogênico abre um leque de oportunidades por sua conversão em combustiveis sintéticos, para substituição de bunker na navegação marítima. Em um futuro não muito distante, o etanol será valorizado pelo seu alto teor de hidrogênio, visto que é um excelente carregador de hidrogênio, permitindo a sua captura, armazenamento, transporte e distribuição de forma prática, econômica e segura. Na verdade, com a rede de distribuição de etanol já instalada de mais de 41.800 postos de abastecimento disponibilizando etanol num país de dimensão continental, o Brasil já possui uma rede instalada de distribuição de hidrogênio.

Todas essas oportunidades, representam um mercado potencial adicional equivalente a 9,4 vezes a atual produção mundial de etanol.

Na COP-23 em Bonn, em 2017, 19 países incluindo os mais populosos e desenvolvidos do mundo, como EE.UU., China, India, Brasil, Canada, Australia, França, Alemanha, Dinamarca, Reino Unido e outros, emitiram uma Declaração de Visão, subscrita pela Agencia Internacional de Energia, um organismo da OCDE, e a IRENA, Agencia Internacional de Energia Renovável, indicando que para que seja atingido o objetivo de limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius, é mandatório que a proporção da energia de biomassa na demanda mundial de energia duplique até 2030; e que a proporção da produção de biocombustiveis sustentáveis no transporte em terra, mar e ar triplique até 2030.

Segundo a IRENA, esse objetivo significa elevar a produção de biocombustiveis sustentáveis de 130 para 500 bilhões de litros até 2030, e a 1,12 trilhão de litros em 2050.

É por isso que há hoje um senso de urgência no mundo todo em relação a esse tema.

Portanto, a pergunta é se do ponto de vista regulatório e legislativo, o Brasil está pronto para atender todos esses desafios. O que falta ainda para termos condições ideais para esse desenvolvimento? O que está sendo feito para superá-los? Qual é o exemplo que o Brasil pode oferecer a países com capacidades e ambições similares?

No setor de biomassa, destaca-se a cana-de-açúcar, que é um verdadeiro painel solar biológico de captura de energia do Sol e sua conversão em cadeias de carbono de fácil transformação e uso.

O aproveitamento de toda essa energia tem evoluído ao longo do tempo. Do ponto de vista regulatório esse setor esteve sob extrema intervenção e dirigismo entre 1931 e 1989, sob a égide do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), organismo estatal responsável pela fixação de cotas de produção e comercialização, e também dos preços, de cana, açúcar e etanol, detendo também o monopólio das exportações de açúcar do País.

A Constituição Federal de 1988, através do artigo 174 limitou a capacidade do Estado intervir no domínio econômico, definindo-o como determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. A partir desse dispositivo, foram gradualmente eliminados os instrumentos de intervenção num processo que durou mais de dez anos. Iniciou com a extinção do IAA em 1989, a extinção do órgão oficial de pesquisa, o
Planalsucar, a privatização das exportações de açúcar, a extinção das cotas de produção, e culminou com a liberação completa da comercialização de etanol e a liberação dos preços da cana e do etanol hidratado em fevereiro de 1999. O etanol anidro teve o seu preço liberado desde maio de 1997.

Desde então, o setor passou a conviver em um ambiente de mercado livre e competitivo, com preços liberados, sem a definição de cotas de produção, conduzindo programas de pesquisa e inovação de forma privada ou então coordenada com universidades, e competindo livremente no mercado interno e externo.
Foi essa liberdade que permitiu ao setor expandir sua escala de produção de 70 milhões de toneladas de cana para uso industrial na década de 1970, para os atuais 690 milhões de toneladas em 2023, sem contar a cana forrageira e a dedicada à produção de aguardente.

Nesta trajetória, foi definido um mandato de mistura de etanol na gasolina. Desde janeiro de 1978, o Brasil pratica misturas de 20% ou mais de etanol, atingindo 27% em março de 2015, e com a intenção de chegar a 30% em um futuro próximo.

Desenvolveu-se tecnologia automotiva adaptada para o uso de biocombustiveis, sendo hoje o Brasil um dos 4 polos mundiais de desenvolvimento no mundo junto com EE.UU., Europa e Japão. Foi desenvolvida tecnologia para o uso de etanol em veículos dedicados, flex e mais recentemente eletrificados, através dos híbridos convencionais e plug- in. Já surgem modelos que utilizam hidrogênio que pode ser extraído do etanol. O programa Rota2030, agora denominado MOVER, estabeleceu as condições regulatórias e competitivas para estimular a inovação no setor automotivo.

Foi aprovada legislação que dá proteção de royalties para o desenvolvimento de tecnologias agrícolas e industriais, estimulando investimentos em inovação.

Foi aprovada a lei do FIAGRO, criando instrumento moderno de investimento privado através de fundos imobiliários para financiamento da agricultura.

Foi criado o RenovaBio, colocando os biocombustiveis no centro da estratégia brasileira de descarbonização no setor de transportes. Desde a sua implementação em 2020, o RenovaBio já gerou créditos de
descarbonização certificados por padrões internacionais ISO 14040, 14044 e 14067, mais de 100 milhões de tons de CO2 equivalente. Em 11 anos, o RenovaBio irá descarbonizar mais de 718 milhões de tons de CO2, equivalentes à emissão total anual de um país como a França. Mais importante, o RenovaBio criou um sistema de certificação de eficiência energético-ambiental, com critério rígido de desmatamento zero, que estimula investimentos em inovação e aproveitamento integral da energia da biomassa.

Foi aprovada Emenda Constitucional, definindo que os biocombustiveis devem receber tratamento fiscal diferenciado, desta forma reconhecendo suas externalidades positivas nos campos ambiental, social e econômico.

E o que falta? Do ponto regulatório falta pouco, mas esse pouco ainda é fundamental.

Foi apresentado recentemente o Projeto de Lei Combustivel do Futuro, que visa integrar e coordenar as diferentes regulações relacionadas aos setores de energia e meio ambiente, como o Mover (antigo Rota2030), o Proconve (Programa de Controle de Emissões Veiculares) e o RenovaBio.

Nesse projeto, o Brasil tem a oportunidade de adotar o critério definitivo para a mobilidade sustentável. Já há consenso de que não basta controlar a emissão de gases dos canos de escape. É preciso, no mínimo, levar em conta a origem até o uso final da energia. Idealmente, deve-se adotar como métrica a avaliação do ciclo de vida na mobilidade, e não apenas nos combustiveis, levando em conta emissões na prospecção e produção de insumos, na produção de veículos, sua operação, e o seu descarte final.

É assim que poderemos escolher o critério mais adequados para avaliação do que é, e pode ser considerado sustentável em termos ambientais, sociais e econômicos, não só em combustiveis, mas em mobilidade em geral, o que inclui veículos, aviões e navios. É essa a diferença entre os critérios tanque- a-roda (canos de escape), poço-a-roda (origem e uso da energia) e berço- ao-túmulo (avaliação do ciclo de vida na mobilidade).

O programa de aceleração da transição energética, apresentado na forma do projeto de lei do PATEN, será importante vetor de financiamento definindo que titulos públicos poderão ser utilizados como lastro e garantia de financiamentos voltados à transição energética sustentável.

Com liberdade econômica, legislação que protege e promove a inovação, definição de métricas completas e não parciais que evitem a entrada em ciladas e tenham como referência o princípio da neutralidade tecnológica, com programas de certificação de eficiência e sustentabilidade, o Brasil se posiciona como líder da transição energética.

Estão à frente desse processo, ilustres e dedicados legisladores brasileiros como o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, os deputados Arnaldo Jardim, Zé Vitor, Elmar Nascimento, Isnaldo Bulhões, Fernando Coelho Filho, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco, e os Senadores Tereza Cristina e Fernando Faria, e muitos outros, com visão de longa prazo, e reconhecendo que é preciso criar condições de direcionamento da enorme liquidez de capital internacional, ávida por projetos viáveis que alavanquem as vantagens competitivas que o País possui em energia renovável.

Nesse sentido, o Brasil oferece ao mundo um exemplo de clareza, firmeza de proposito e integração dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na direção do atingimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável, e da transição energética viável, acessível e inclusiva. Um exemplo que poderá ser reconhecido, divulgado e aplicado em varias outros países do mundo, que buscam os mesmos objetivos, com a mesma determinação.

Muito obrigado pela atenção de todos.

*Plinio Nastari - Doutor em economia agrícola e presidente da DATAGRO. Foi representante da sociedade civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética (2016-2020), e diretor executivo e presidente do Conselho da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva

 

Folha de Pernambuco (21/11)