“Paridade é a única forma de manter a competitividade”, diz conselheiro da Petrobras

“Paridade é a única forma de manter a competitividade”, diz conselheiro da Petrobras

Em cerca de uma década atuando como conselheiro profissional, o advogado Marcelo Gasparino tem chacoalhado os conselhos de administração de gigantes como Vale e Petrobras 

Sempre representando acionistas minoritários, Gasparino tem recebido voto de confiança dos ainda raros investidores individuais na Bolsa brasileira, caso dos bilionários Lírio Parisotto e Juca Abdalla.

Prestes a ser eleito conselheiro na recém-privatizada Eletrobras, Gasparino falou sobre a política de preços de combustíveis da Petrobras. “Praticar preços tomando por base a paridade internacional é a única forma de a indústria se manter competitiva em nível global e de não ser sucateada.”

Sobre as três trocas de presidência da estatal durante o governo Bolsonaro, o advogado disse que, embora as tentativas de ingerência do governo não tenham surtido efeito, as mudanças “são uma mensagem muito ruim para o mercado.”

O advogado ganhou mais notoriedade no ano passado, ao renunciar, logo após eleito, ao conselho da Petrobras, apontando erro na contagem dos votos, obrigando a realização de um novo pleito interno.

Leia os principais trechos da entrevista.

A Petrobras passará por sua terceira assembleia apenas neste ano para votar no conselho da companhia. Como o senhor analisa essa situação?

Historicamente, o CEO da Petrobras é trocado em menos de dois anos, o que sinaliza que seu acionista controlador, o governo, enfrenta desafios na administração de uma sociedade de economia mista. O general Silva e Luna, que teve a competência de dar sequência à gestão profissional (de seu antecessor, Roberto Castello Branco), acabou sendo demitido por praticar um aumento inevitável. Particularmente, penso que o problema foi a forma como o aumento foi dado e comunicado, durante a guerra entre Rússia e Ucrânia. A partir dali, a deterioração do ambiente social, econômico e político, somada aos reflexos da guerra nos preços de combustíveis, gás natural e fertilizantes, à mudança no Ministério de Minas e Energia e às pressões sofridas pelo governo em ano eleitoral, acabaram resultando em nova mudança no comando.

Tem havido ingerência do governo na companhia?

A União é acionista controladora da Petrobras. Portanto, é natural que a companhia seja influenciada por quem detém a maioria das ações com direito a voto. Tenho sido eleito desde 2019 por acionistas minoritários, exatamente para atuar contra a anunciada interferência que a gestão sofreria com a chegada de um militar supostamente alinhado com objetivos intervencionistas. Mas não foi isso o que aconteceu. O maior mérito do general Silva e Luna foi o reconhecimento de que sucedeu a uma gestão já exitosa e que a melhor forma de contribuir era continuar investindo na exploração e na produção de petróleo e perseguindo a venda de ativos não estratégicos. As tentativas de ingerência do governo federal, pela troca da presidência, não têm surtido efeito na governança da companhia até agora, mas sem dúvida as repetidas mudanças na principal posição da liderança são uma mensagem muito ruim para o mercado.

As altas dos combustíveis têm pressionado os últimos presidentes da Petrobras. Há algo que a empresa pode fazer para conter os preços?

O preço do combustível é sensível em qualquer país. Praticar preços tomando por base a paridade internacional é a única forma de a indústria se manter competitiva em nível global e de não ser sucateada. Pela responsabilidade do cargo, o presidente da Petrobras acaba se tornando o foco de insatisfações. A solução conjuntural depende do governo federal, através de subsídios direcionados para quem transporta as riquezas do Brasil e para o transporte público. A solução estrutural passaria pela aceleração da exploração das reservas do pré-sal, que depende de uma diretriz do Ministério de Minas e Energia e de providências de competência da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

O governo acaba de privatizar a Eletrobras. O senhor enxerga o mesmo caminho para a Petrobras?

Não faz sentido existir estatal de capital aberto, que capta poupança pública para realizar investimentos prometendo melhor retorno do que a renda fixa. Pelo bem do País, a regulação deve ser aprimorada e a desestatização deve ser estimulada, idealmente com mais tributação sobre o resultado e menos sobre a produção. Seja pelo modelo de capitalização utilizado pela Eletrobras, pelo qual ainda seria mantido um monopólio nos principais mercados em que a Petrobras atua, seja por outras modelagens, a sociedade será a grande beneficiária com o incremento de investimentos na indústria de óleo e gás, refino e distribuição de combustíveis, assim como da indústria petroquímica e a possibilidade de aumento da concorrência.

Como o senhor analisa a estrutura de governança da Petrobras?

Inabalável. Uma estatal do porte da Petrobras exige o mais rígido sistema de compliance. Renovo meu entendimento no sentido de que, pela definição da Lei 13.303/16, as estatais e sociedades de economia mista existem para atender a políticas de Estado e não a políticas de governo. É importante que nossos representantes tenham consciência das mudanças.

 

Estadão Conteúdo