Perder dinheiro? Não requer prática nem habilidade - Por Arnaldo Luiz Corrêa

Perder dinheiro? Não requer prática nem habilidade - Por Arnaldo Luiz Corrêa

Em todos os nossos comentários nos últimos meses, dissemos que estávamos bastante construtivos com a trajetória de preços do açúcar no mercado internacional, e que apenas uma coisa nos incomodava e que poderia restringir a tão esperada recuperação: se houvesse a simultaneidade da valorização do real em relação ao dólar e da queda do preço do petróleo no mercado internacional. Essa conjunção iria diminuir a paridade do etanol em relação à gasolina (mais barata em reais) e abrir espaço para uma maior produção de açúcar, assim deprimindo o preço da commodity.

De fato, o real se valorizou frente à moeda americana e o petróleo despencou no mercado internacional. E o açúcar também derreteu: chegamos ao preço mais baixo desde 23 de maio passado, quando NY bateu 11.42 centavos de dólar por libra-peso. O fechamento da sexta, com o vencimento outubro/2019 a 11.59 centavos de dólar por libra-peso ficou 71 pontos (mais de 15 dólares por tonelada) abaixo do fechamento da semana anterior. Se o açúcar caiu quase 6%, Brent, Gasolina RBOB e WTI caíram entre 6-7% na semana.

Isto posto, conclui-se então que a queda do açúcar se deveu ao sincronismo desses dois eventos? Não, não é o que parece. O que modificou o humor do mercado, ou pelo menos retardou a sua recuperação foram as duas entregas recentes em Nova York e Londres.

O mês de julho escancarou a falta de atividade no mercado físico, representada pela colossal entrega de açúcar tanto na Bolsa de Nova York quanto na Bolsa de Londres. Quase 800 mil toneladas de branco, originárias da Tailândia e 2.1 milhões de toneladas de açúcar bruto entregues em NY, de Brasil e Tailândia, principalmente.

Existe uma enorme boca de jacaré entre as cotações do açúcar e do etanol. Nesta sexta-feira, o hidratado estava sendo negociado a R$ 2,0700 por litro, com impostos, o que equivale a aproximadamente R$ 1,6900 por litro na usina sem impostos. Com o real negociando a R$ 3,7480 e NY encerrando a 11,59 centavos de dólar por libra-peso, vender hidratado representa para a usina um prêmio de 260 pontos acima do açúcar em NY.

Inconsistências ocorrem em qualquer mercado e são oportunidades para se ganhar dinheiro. Nesse momento, as usinas deveriam maximizar a produção de hidratado, vender no mercado à vista e comprar calls (opções de compra) fora-do-dinheiro no açúcar. Numa reação do mercado de NY, que virá (veja a seguir), vão ganhar muito dinheiro. Basta ver que o preço justo do açúcar hoje é de 14 centavos (preço do hidratado equivalente), portanto uma call de preço de exercício 14 centavos de dólar por libra-peso com vencimento em março é uma boa pedida.

Ganhar dinheiro, no entanto, requer disciplina, conhecimento e muito trabalho. Delegar essas oportunidades a provedores de estruturas de balcão significa dividir boa parte do bolo e perder a volatilidade baixa que o mercado tem mostrado. Vide, por exemplo, uma usina de São Paulo, que há alguns meses, em matéria publicada nos jornais, afirmou ter feito uma estrutura de proteção contra variação negativa do preço do etanol utilizando o mercado futuro e de opções de petróleo. Esse instrumento é chamado de cross-hedging, ou seja, neutraliza-se o risco de um ativo (etanol) assumindo uma posição num outro ativo (petróleo). Evidente que as características de risco de cada um são diferentes, mas a correlação entre os dois ativos afiançava que a posição fosse feita. Resumo: a empresa embolsou, segundo pessoas próximas à operação, R$ 20 milhões. Ganhar dinheiro dá trabalho, perder é muito mais fácil. Não requer prática nem tampouco habilidade.

Os fundos, aumentaram a posição vendida em mais de 27,000 lotes. Devem estar agora, segundo um experiente corretor de Manhattan, com 140,000 lotes vendidos. A pressão, obviamente veio daí, corroborada com a pusilanimidade do mercado físico.  Com petróleo em baixa, é de se supor que os fundos podem ter comprado petróleo protegendo a posição arbitrando-a com a venda de açúcar.

A reação de NY, como dito acima, virá. À boca pequena, corre no mercado que o estrago da geada foi muito mais grave do que se antecipara. Gente correndo para moer a cana atingida antes que sobre apenas fibra. Conversa de produtor? Acho que não. A informação vem de várias e confiáveis fontes.

Ficar vendido a 12 centavos de dólar por libra-peso parece que está compensando no curto prazo, para queimar a língua deste escriba. Contudo, não consigo acreditar, por todos esses fatores exaustivamente discutidos ao longo desses meses, que o açúcar vai continuar em baixa nesse patamar. Menor ATR, cana atingida pela geada acima do que se previra e mix pró-etanol vão sufocar a disponibilidade. Quando isso vai ser observado pelo mercado? É a pergunta de um milhão de dólares. Acredito que outubro vai trazer novidades.