Pesquisador da Unesp de Rio Preto busca no bagaço de cana uma forma de ampliar a produção de etanol

Pesquisador da Unesp de Rio Preto busca no bagaço de cana uma forma de ampliar a produção de etanol

A busca por combustíveis alternativos e menos poluentes é o tema da terceira reportagem da série especial Caminho Verde

Com o preço lá em cima dos carros elétricos e a meta de zerar a emissão de gases do efeito estufa distante, pesquisadores do mundo todo estão acelerando a busca por combustíveis renováveis. No Brasil, as principais apostas de descarbonização são o etanol de segunda geração, o hidrogênio verde e o biodiesel. Contudo, o alto custo de produção e a falta de incentivo governamental são entraves para a comercialização em grande escala destes produtos nos postos de combustíveis brasileiros.

A busca por combustíveis alternativos e menos poluentes é o tema da terceira reportagem da série especial Caminho Verde. Dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) revelam que a gasolina continua sendo o principal combustível da frota rio-pretense. Para se ter uma ideia, quatro em cada dez veículos da cidade são abastecidos pelo combustível oriundo do petróleo. E outros quatro são flex – ou seja, podem receber etanol ou gasolina.

Em Rio Preto, o professor do departamento de química do Ibilce Mauricio Boscolo é um dos brasileiros que buscam um combustível menos poluente que a gasolina. Há quase duas décadas, ele se debruça sobre o etanol de segunda geração. O método, que também é pesquisado em outros centros de pesquisa do Brasil, ainda não é comercializado em grande escala pelo seu alto custo, mas é apontado como uma promessa no processo de descarbonização.

“Por mais que seja um combustível renovável, sempre vai ter um impacto ambiental, porque vai precisar de terra para a produção. Ou seja, se eu quero investir no biodiesel, preciso de mais área plantada de soja. Já no caso do etanol de segunda geração, você consegue obter a partir dos resíduos que sobram da produção do etanol que compramos. Só muda a forma de obtenção, o produto é o mesmo”, destacou Boscolo.

O combustível estudado por Mauricio é obtido através da matéria-prima que sobra da produção do etanol de primeira geração, combustível que é vendido nos postos.

“O etanol que compramos é produzido a partir do açúcar da cana, que é o que chamamos de etanol de primeira geração. A ideia é que através da bagaço, que é o que sobra da produção, possamos gerar mais etanol, o que seria de segunda geração. Se conseguirmos tornar isso rentável, as usinas da região podem dobrar sua produção de etanol, sem precisar desmatar mais áreas”, apontou Boscolo.

Menos devastação

Na região de Rio Preto, a pesquisa de Mauricio, além de contribuir para o incentivo da produção de um combustível menos poluente, também pode frear o aumento da devastação ambiental para o plantio da cana, que já representa 80% da produção agrícola regional.

“O que fazemos no laboratório é estudar formas de viabilizar essa produção de etanol e que ele chegue nos próximos anos nas bombas de combustíveis do brasileiro. E não apenas pela comercialização do próprio etanol, mas também da gasolina. Hoje, ela não é consumida pura. No Brasil, por exemplo, 27% da gasolina é composta por álcool”, afirmou o pesquisador.

Hidrogênio verde
Outra aposta do setor de transportes para reduzir a emissão de gases do efeito estufa no futuro é o hidrogênio verde. A ideia é obter um combustível 100% limpo. Uma vez que, diferentemente do etanol e do biodiesel, que precisam de plantação de cana-de-açúcar ou soja, a obtenção de hidrogênio verde pode ser realizada através de fontes de energias limpas e renováveis, como usinas de energia solar.

A obtenção do combustível é realizada através da eletrólise da água, que separa o hidrogênio do oxigênio, por meio de uma corrente elétrica, que pode ser obtida através de uma usina de energia eólica ou solar, por exemplo.

Porém, uma pesquisa do professor Thiago Lopes, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e integrante do RCGI, um Centro de Pesquisa em Engenharia financiado pela Fapesp e pela Shell do Brasil, comprovou que a produção do hidrogênio verde também pode ser obtida nas usinas de açúcar e álcool da região de Rio Preto a partir da vinhaça – resíduo poluente gerado na produção de etanol.

“A vinhaça tem 95% de água em sua composição. A ideia é que, por meio desse reator, possamos quebrar as moléculas de água para gerar oxigênio e hidrogênio verde”, diz o pesquisador.

Agora, Thiago estuda uma forma de tornar essa tecnologia viável nas usinas brasileiras. Com o projeto já patenteado, a expectativa é que em sete anos as primeiras usinas comecem a produzir hidrogênio verde a partir da vinhaça. “Vai ter hidrogênio, oxigênio, etanol, energia, açúcar e biometano. Acredito, sim, que a cana pode virar o novo petróleo”. (RC)

Investimentos nas usinas da região
Usinas de açúcar e álcool da região dizem estar se preparando para a produção de novos biocombustíveis nos próximos anos. A Tereos, por exemplo, além de produzir etanol (primeira geração) e gerar energia elétrica a partir do bagaço da cana, planeja até 2030 substituir 100% do diesel utilizado em seus caminhões canavieiros por combustíveis renováveis, como o biometano gerado através da produção de biogás – combustível produzido a partir de rejeitos orgânicos de atividades agropecuárias, decompostos por bactérias em biodigestores.

“A Tereos está em fase de finalização da instalação de uma planta de biogás na unidade Cruz Alta, em Olímpia. A planta utilizará a vinhaça para fabricação do biogás, para utilização em frota em substituição ao diesel, ampliando assim a oferta de energia renovável da companhia”, afirmou Gustavo Segantini, diretor comercial da Tereos.

Já a Cofco Internacional investe na produção de biodiesel – combustível obtido através de óleos e gorduras de origem animal e vegetal. “Mapeamos em nosso portfólio estratégico diversas rotas para alavancar a potencialidade de nossas usinas trazendo-as cada vez mais para o conceito de biorrefinarias, o etanol 2G (segunda geração) é uma delas. Ainda existem outras rotas, como a própria utilização do bagaço ou outros subprodutos da produção do etanol na geração de energia elétrica ou biogás”, afirmou Luis Marcelo Spadotto, diretor de operações da Cofco International. (RC)

Tire suas dúvidas
O que são biocombustíveis?

Os biocombustíveis são combustíveis fabricados a partir de matéria orgânica, que podem substituir os combustíveis derivados de petróleo, como a gasolina e o diesel, em motores a combustão ou em outro tipo de geração de energia. Entre os exemplos de biocombustíveis estão o etanol e o biodiesel.

Atualmente, como os restos da cana-de-açúcar são reaproveitados?

Após a moagem, o bagaço hoje é usado para gerar energia elétrica para o consumo da própria usina e exportação para redes de transmissão. Na região, estima-se que o bagaço da cana gera energia suficiente para abastecer 840 mil residências

Quais são os benefícios do etanol de segunda geração?

Mais etanol poderá ser produzido em uma mesma área de plantação de cana. Ou seja, não será necessário desmatar mais áreas para o aumento da produção de etanol. Estima-se que a produção deste tipo de combustível no Brasil possa ser de 30% a 50% maior, a partir da produção do etanol de segunda geração

Vou ter que comprar um motor de combustão movido a etanol de segunda geração?

Não, o etanol de segunda geração é idêntico ao etanol que abastece os carros atualmente. O que muda é o seu processo de obtenção

Combustível do futuro
Principais apostas de combustíveis do futuro

Etanol de segunda geração – álcool produzido a partir da fermentação de açúcares, podendo advir de diferentes fontes vegetais, tais como beterraba, milho ou cana-de-açúcar

Onde pode ser utilizado: veículos de passeio

Biometano – gás obtido a partir da decomposição de matéria orgânica, sendo geralmente utilizados dejetos animais, resto de alimentos e subprodutos da indústria sucroalcooleira. Pesquisas mostram que o biometano pode ser usado em motores de combustão interna ou em veículos pesados, que usam diesel e gás natural

Onde pode ser utilizado: veículos de passeio, ônibus e caminhões

Biodiesel ou diesel verde – hidrocarboneto produzido a partir de óleos e gorduras de origem animal e vegetal, como sebo e óleo de soja, submetido ao processo de transesterificação

Onde pode ser utilizado: veículos de passeio, ônibus, caminhões, tratores e locomotivas

Hidrogênio verde – defendido por pesquisadores como a grande aposta como combustível do futuro, o hidrogênio verde pode ser obtido através de fontes de energia limpas e renováveis, como da energia eólica, solar e da biomassa. Esse combustível é produzido a partir da eletrólise de água (que inclusive pode ser do mar) e conta com o uso de energia gerada a partir de fontes renováveis para ser transformado em combustível.

Onde pode ser utilizado: veículos de passeio, ônibus, caminhões e navios

Metanol verde – combustível para veículos pesados que pode ser obtido a partir do bagaço e da palha da cana, assim como o etanol de segunda geração. Contudo, o preço alto e a necessidade de novas embarcações capazes de serem abastecidas por esse combustível são uma barreira. Em 2021, a transportadora de contêineres Maersk anunciou que encomendou embarcações para receber o “metanol verde” como o principal combustível.

Onde pode ser utilizado: navios

SAF – significa Sustainable Aviation Fuel (SAF). É um biocombustível para aeronaves. Embora tenha muitos desafios para ser implementado, como o seu alto valor ser 330% mais caro que o da querosene para aviação, seu ponto positivo é a redução na emissão de gases do efeito estufa pelo setor da aviação. Isso porque o SAF é produzido a partir de matérias-primas renováveis. De forma prática, é um combustível que pode ser obtido por meio do óleo de cozinha usado.

COMBUSTÍVEL DA FROTA DE VEÍCULOS DE RIO PRETO
​GASOLINA 179.204 veículos (43%)
ETANOL e GASOLINA/ Flex 172.265 (42%
DIESEL 26.983 (6,5%)
ETANOL 21.7138 (5%)
ELÉTRICOS 346 (0,08%)
*Veículos que o combustível não foi informado ou são movidos a gás

Sem informações* - (3,42%)

Combustível na região

Com o preço alto dos carros híbridos e elétricos, as montadoras não devem conseguir reduzir as emissões de CO2. Por isso, o crescimento de pesquisas em biocombustíveis como uma alternativa à eletrificação na redução da emissão de gases do efeito estufa pelo setor de transportes

Entre as principais apostas de produção na região, está o etanol de segunda geração. No entanto, esse combustível ainda possui um alto preço para ser comercializado, o que o torna inviável para a produção em grande escala e comercialização

No Noroeste Paulista, 80% da produção agrícola é destinada ao cultivo da cana-de-açúcar, que gera combustível, açúcar e energia elétrica. A partir da produção do etanol de segunda-geração, a produção de etanol poderia dobrar nas usinas da região

Em média, a queima do etanol emite 25% menos monóxido de carbono e 35% menos óxido de nitrogênio (NO) que a de gasolina

 

 

SENATRAN, OICA, EIA, UNICA E ANP - RETIRADO DO JORNAL FOLHA DA REGIÃO