Petroleiras do país aceleram projetos para armazenar CO2

Petroleiras do país aceleram projetos para armazenar CO2

Para atingir metas de descarbonização e de olho no mercado de créditos de carbono, empresas de petróleo e gás aumentam investimentos em pesquisas para captura, armazenamento e utilização de CO2 no Brasil. O desembolso ultrapassou R$ 1 bilhão entre 2020 e 2023. O valor é quase metade do R$ 1,8 bilhão aplicado em pesquisas sobre descarbonização desde 1999, segundo levantamento da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) feito a pedido do Valor.

A técnica de captura consiste em apreender e enterrar o dióxido de carbono no subsolo e encontra-se em estágio de desenvolvimento em alguns países. No Brasil, a atividade ainda não é regulamentada. Tramita no Senado, desde o ano passado, um projeto de lei que trata de regras para projetos de captura e armazenamento de carbono. O PL 1425/2022 foi apresentado pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN) antes de assumir a presidência da Petrobras. O texto foi aprovado na Comissão de Infraestrutura e está agora na Comissão de Meio Ambiente da Casa. Em paralelo, o governo se prepara para apresentar um projeto de lei sobre o tema dentro de um pacote de medidas mais amplo, chamado de “PL do Combustível do Futuro".

Prates e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, têm se desentendido publicamente sobre a política da estatal. A reinjeção de gás produzido no pré-sal é um dos principais fatores de desgaste entre os dois. Silveira chegou a dizer que a prática é “predatória” e que a estatal infla o preço dos insumos para as indústrias, o que vem sendo rebatido por Prates.

“A proposta do Projeto de Lei do governo avança no ponto que trata do CCS no Combustível do Futuro, ao atribuir à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis a regulação desta atividade no regime de autorização. A alteração, em relação ao PL 1425, em tramitação no Senado Federal, simplifica os investimentos no Brasil, razão pela qual o Ministério de Minas e Energia (MME) entende que o texto do PL do Combustível do Futuro necessita ser aprovado”, informou o MME em nota.

Especialistas e empresas ouvidos pelo Valor afirmam que não está claro como os dois projetos vão tramitar, mas reforçam que é preciso avançar na regulamentação. Para Nathalia Weber, diretora da CCS Brasil, organização que produz pesquisas e estudos sobre a atividade, esse é o principal entrave ao desenvolvimento de empreendimentos do tipo no país. “Esse é realmente um dos principais gargalos que a gente tem para ter mais desenvolvimento de projetos com armazenamento geológico de CO2. Não é o único, mas é o que traz mais incerteza para os investidores e para empresas que estão em busca de alternativas de descarbonização”, diz.

Defensores do método afirmam que a estocagem de CO2 ajuda na descarbonização e é uma forma mais econômica de zerar as emissões até 2050. A captura de CO2 como forma de reduzir as emissões é vista, porém, com reservas por ambientalistas, uma vez que muitos a consideram como “solução falsa”. Esses ambientalistas alegam que há um lobby das petroleiras para prolongar a produção de combustíveis fósseis e não assumir compromissos concretos com a transição energética, o que o setor refuta.

Estados Unidos, Austrália, Canadá e Japão já captam e colocam CO2 debaixo da terra. A Noruega regulamentou a atividade recentemente e um serviço comercial de transporte e armazenamento de carbono, visitado pelo Valor em junho, está prestes a entrar em operação. No Brasil, empresas levantam áreas com potencial geológico e desenvolvem tecnologias para aplicar em futuros projetos-piloto. Na área de petróleo e gás, os investimentos são fiscalizados pela ANP.

O superintendente de tecnologia e meio ambiente da agência, Raphael Moura, diz que as cifras devem crescer. “Esses números tendem a crescer nos próximos anos, com o estabelecimento de projetos de maior maturidade tecnológica, como o estabelecimento de plantas-piloto de captura subterrânea e até de captura direta do ar. Além da mudança de estratégia das empresas diante de oportunidades associadas à descarbonização e transição energética”, afirma.

Petrobras e Repsol Sinopec já investem no desenvolvimento da atividade, assim como a FS Agrisolutions, maior produtora de etanol de milho do país. Os projetos estão em fases distintas de desenvolvimento e a continuidade das pesquisas, bem como a exploração comercial dos projetos, dependem de avanços no legislativo.

“Essa é uma oportunidade particularmente interessante para países produtores de petróleo porque a gente consegue fazer a migração da expertise técnica. A gente não é só grande produtor como tem uma cadeia de valores, de suprimentos, de equipamentos, instalada no Brasil”, afirma Heloísa Borges, diretora de estudos de petróleo e gás da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Com o governo federal também interessado na atividade, a EPE vai contratar uma consultoria externa para mapear áreas aptas a armazenar CO2 no país. Os trabalhos devem começar neste ano e durar 18 meses. A Bacia do Paraná e o litoral fluminense são as principais áreas de interesse do governo e do setor privado pela proximidade com as indústrias da região Sudeste.

Apesar de ser uma tecnologia nova, os projetos de CCS têm origem em uma técnica usada há alguns anos por petroleiras. Ela consiste em injetar o gás carbônico num poço já explorado para reanimar a produção de óleo e gás. A Petrobras, por exemplo, adota a captura e utilização de carbono (CCUS) nos campos do pré-sal. Para especialistas, a expertise da indústria de óleo e gás é um ponto positivo para o desenvolvimento da atividade em países como o Brasil.

Ambientalistas veem, porém, a iniciativa com desconfiança. O assessor do programa de defesa dos direitos socioambientais da ONG Conectas, Gabriel Mantelli, diz que a criação da infraestrutura envolve uma espécie de “pedágio ambiental” que pode não compensar os esforços: “Fala-se em pedágio porque se a gente levar em conta que a empresa vai construir plantas e gasodutos, a junção desse passivo ambiental acaba não compensando. Além disso, existe dúvida se a remoção do CO2 do ar chega a 100% e também sobre os riscos geológicos envolvidos na operação.” Mas apesar das dúvidas na sociedade civil, os trabalhos avançam.

A Repsol lançou recentemente o projeto de uma planta-piloto para capturar 5 mil toneladas de CO2 por ano direto do ar com tecnologia inédita na América Latina. A ideia é que a operação comece em quatro a cinco anos, na Bacia do Paraná. A fase inicial vai avaliar o potencial de injetar e “guardar” o gás em rochas subterrâneas. “É um hub de tecnologia para a comunidade científica como um todo aportar conhecimento, não é projeto para comercialização”, diz a gerente de suporte de portfólio de pesquisa da Repsol Sinopec, Cassiane Nunes.

Dona de um dos projetos privados mais avançados, a FS Agrisolutions recebeu, em maio, autorização para a primeira perfuração em Lucas do Rio Verde (MT). A permissão é para explorar um poço de coleta de informações e estudos, etapa que deve começar até setembro. Seu presidente Rafael Abud diz que a área tem capacidade para armazenar 22 milhões de toneladas de CO2. A produção de etanol de milho na fábrica emite 450 mil toneladas por ano.

“Para nós, é um investimento porque essas toneladas todas vão nos gerar créditos que vão ser vendidos no mercado de carbono”, diz Abud. O investimento previsto é de R$ 350 milhões e contempla desde os estudos preliminares até o início da operação, que depende da regulamentação da atividade de CCS.

 

Valor Econômico