Plano climático do Brasil dá novo impulso à bioenergia – Por Elizabeth Farina e Luciano Rodrigues
A 21ª conferência das Nações Unidas sobre mudança do clima (COP21), que começa em oito dias em Paris, deverá envolver mais de uma centena de chefes de Estado na tentativa de estabelecer um acordo global com metas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e mitigar as consequências catastróficas do aquecimento global.
Ao longo dos últimos anos, o ceticismo e o debate a respeito da existência e das causas do aquecimento foram gradativamente suprimidos por evidências e estudos contundentes sobre o tema. De tal sorte, hoje o problema se coloca no foco das discussões mundiais sobre política energética.
A forma como cada nação irá reconhecer esse componente ambiental e enfrentar o dilema da segurança energética de forma sustentável condicionará as estratégias de indução dos Estados nos campos energético, político e econômico nos próximos anos.
Nesse contexto, chama atenção o caso brasileiro de produção e uso de energias renováveis. O país é destaque ao apresentar matriz energética com cerca de 40% de participação de fontes renováveis, contra uma média mundial de apenas 13%.
O desenvolvimento e uso do etanol combustível ao longo das quatro últimas décadas e a utilização da energia elétrica obtida a partir da biomassa da cana-de-açúcar foram fundamentais para o papel de destaque do país no contexto global. Esses dois produtos são responsáveis por cerca de 16% da matriz energética nacional e representam 40% de toda a energia renovável ofertada internamente.
A cana-de-açúcar se destaca, portanto, como principal fonte de energia renovável no Brasil, ficando à frente até mesmo da hidroeletricidade. Os números impressionam e mostram que apenas a oferta da indústria da cana-de-açúcar seria suficiente para posicionar o país acima da média mundial no uso de energias limpas.
Assim como ocorrera nas últimas décadas, o setor sucroenergético apresenta um enorme potencial para contribuir para o desafio da redução de emissões nos próximos anos.
Atualmente, com apenas 0,5% do território brasileiro utilizado para a plantação de cana-de-açúcar para etanol, substituímos 40% do consumo nacional de gasolina. Para o futuro, além de possuir condição única para a expansão da área cultivada sem desmatar um único hectare, a indústria da cana-de-açúcar deve apresentar avanços tecnológicos importantes nas áreas agrícolas e industrial, que permitirão expressivo crescimento vertical da produção.
Especificamente na área agrícola, o uso de variedades mais adaptadas ao sistema mecanizado, o emprego de equipamentos e máquinas mais modernos, a adoção de ferramentas de agricultura de precisão com eletrônica embarcada, o uso de novas tecnologias de plantio, como as mudas pré-brotadas, e a sinalização do desenvolvimento de semente artificial de cana-de-açúcar, são apenas alguns exemplos de tecnologias que deverão intensificar os ganhos de produtividade.
No setor industrial, destaca-se o avanço do recolhimento da palha para a geração de bioeletricidade e, no futuro próximo, a produção de etanol de segunda geração a partir da biomassa da cana-de-açúcar.
Esse enorme potencial é reconhecido na contribuição apresentada pelo Brasil às Nações Unidas (INDC, na sigla em inglês) e em diversos discursos de representantes do poder público nacional. De acordo com a proposta, a energia elétrica a partir de fontes renováveis deve ser ampliada e a participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira deve atingir 18% em 2030, com consequente aumento do consumo de etanol combustível dos atuais 28 bilhões de litros por ano para cerca de 50 bilhões em 2030.
O crescimento do setor, com a ampliação da produção para o atendimento da referida meta em comparação com a manutenção do atual nível de produção, permitirá uma redução adicional de emissões estimada em 571 milhões de toneladas de CO2 equivalente até 2030. Esse valor equivale a cerca de três vezes o total emitido atualmente pelo uso de combustíveis fósseis no setor de transporte (cerca de 200 milhões de toneladas de CO2e) e pelo desmatamento de florestas no país (cerca de 175 milhões de toneladas de CO2e), segundo dados publicados no último levantamento realizado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Além de diminuir as emissões de gases de efeito estufa, a maior oferta de etanol contribuiria decisivamente para a redução dos gastos com saúde pública decorrentes de problemas respiratórios e cardiovasculares associados ao uso de combustíveis fósseis, especialmente nas grandes cidades. Estudo elaborado por pesquisadores vinculados à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo indica que a ampliação proposta para o consumo de etanol evitaria, apenas nas oito principais regiões metropolitanas do Brasil, quase 7 mil mortes até 2030 e permitiria uma economia superior a US$ 23 bilhões para os sistemas de saúde público e privado.
Adicionalmente, a expansão da indústria da cana-de-açúcar promoveria a criação de quase 250 mil novos postos de trabalho diretos no período, com potencial de atingir mais 500 mil empregos indiretos em toda a cadeia. Os investimentos na ampliação da capacidade produtiva chegariam a US$ 40 bilhões, com efeito multiplicador significativo para setores correlatos e ativação do mercado de fatores em um grande número de municípios no interior.
Esses números reforçam, portanto, a posição privilegiada do Brasil e a importante contribuição que a indústria brasileira de cana-de-açúcar oferece para superarmos o desafio do aquecimento global. Com metas ambiciosas, um arcabouço regulatório duradouro e políticas públicas na direção correta, temos uma excelente oportunidade para ampliar o uso de energia limpa e renovável produzida a partir da cana-de-açúcar, com efeitos secundários expressivos para a sociedade nas áreas econômica e social.
*Artigo publicado originalmente no portal Observatório do Clima em 23/11/2015 e elaborado por Elizabeth Farina - presidente da UNICA e Luciano Rodrigues - gerente de Economia e Análise Setorial da UNICA.