Presidente da Scania sugere a governos colocar preço em emissões

Presidente da Scania sugere a governos colocar preço em emissões

Aparentemente, Lucas do Rio Verde, cidade do interior do Mato Grosso, não tem nada a ver com Davos, nos alpes suíços. Mas foi uma discussão comum a ambos que levou Christian Levin, presidente mundial da Scania, a viajar para as duas localidades em menos de três semanas. Em Davos, o executivo sueco participou de debates sobre a transição energética em tempos de crise climática. Na quinta-feira, ele visitou a fábrica de biodiesel de um produtor de soja. A partir de resíduos obtidos da unidade esmagadora de grãos, ele terá combustível para a própria frota.

A Amaggi, uma das maiores empresas de processamento e exportação de grãos do país e dona da fábrica de biodiesel que Levin visitou, recentemente adquiriu 350 caminhões Scania movidos a biodiesel - um dos maiores contratos do gênero. Além da visita à fábrica, Levin estava ansioso por voltar a ver, da janela do avião, a imensidão dos campos de soja do Mato Grosso, que visitou em outra ocasião. Ele não escondeu o entusiasmo quando, poucas horas depois de chegar da Suécia, na terça-feira, concedeu entrevista ao Valor.

Em Davos, Levin teve a chance de debater sobre a expectativa de a sustentabilidade estar ligada ao crescimento econômico e à competitividade de uma empresa. “Temos colocado a maior parte dos recursos que geramos na produção de caminhões e ônibus sustentáveis. Fizemos disso nosso propósito. É só para ganhar dinheiro e depois ser o mais popular? Não, é preciso resolver o problema; todo o nosso setor está gerando aquecimento global”, afirma.

Na Suíça, o executivo encontrou delegações do Brasil, da Índia e outros países empenhados no uso de resíduos agrícolas como fonte de combustível. O movimento, diz, começa a chamar a atenção do Sul da Europa. “A segunda geração de biocombustíveis é basicamente feita de resíduos, tanto agrícolas, como da rede de esgotos das cidades, além de resíduos florestais.” Assim, cada região pode identificar uma fonte de produção.

Para Levin, os governos têm papel importante na transição energética. “Só os governos podem garantir que os combustíveis limpos sejam mais baratos”, diz. O modelo de incentivos fiscais para compra de veículos elétricos, que se tornou famoso na Europa, começa a se esgotar. Outros tipos financiamentos, diz, também são “todos ruins”.

Para ele, o “único sistema que realmente funciona” é o que coloca um preço nas emissões de carbono, o chamado comércio de emissões, ainda não usado no transporte. “Você diz: cada tonelada de CO2 lhe custará tanto agora e mais tanto daqui um tempo. O sistema dá previsibilidade e dá o incentivo sem custar nada para o Estado. Você tira o dinheiro do lixo para baratear a energia limpa.”

Para Levin, fica cada vez mais claro, na indústria de veículos comerciais, que não haverá uma única solução para a descarbonização. “Vamos ver biodiesel, biogás...Mas também há o movimento de eletrificação nas cidades, o que é ótimo desde que a geração de energia seja limpa”, diz. Segundo ele, a Europa do Sul começa a falar sobre biocombustíveis enquanto a do Norte e Ocidental buscam a eletrificação.

Mas não foi apenas o biocombustível a partir de resíduos agrícolas que trouxe Levin ao Brasil. Na Scania desde 1994, onde entrou assim que concluiu a faculdade de administração, e no comando do grupo desde maio de 2021, Levin costuma vir ao Brasil anualmente para acompanhar de perto a atividade daquela que é a maior operação da companhia fora da Suécia.

A capacidade da fábrica de São Bernardo do Campo (SP) chega a equivaler 30% do que a Scania produz em todo o mundo e nos últimos nove anos, o mercado brasileiro foi o maior para a companhia.

Para o executivo, após a queda de vendas em 2023, em decorrência da nova lei de emissões (Euro 6), que exigiu mais equipamentos e provocou aumento de preços, 2024 tende a ser um bom ano.

A unidade do ABC é também importante canal de exportação. Metade da produção segue para o exterior. Segundo Levin, a Scania fabrica os mesmos produtos em todo o mundo. Daí a flexibilidade para exportar. Além dos caminhões e ônibus, também motores feitos em São Bernardo são enviados aos Estados Unidos para abastecer a linha da Navistar, que, ao lado de Scania, Volkswagen Caminhões e MAN, pertence ao grupo Traton, do qual Levin também é presidente. Até o terceiro trimestre de 2023, a Traton acumulou receita de € 34,2 bilhões.

Além do Brasil, Levin está, agora, de olho no próximo mais recente investimento do grupo: uma fábrica na China, que deve ficar pronta em 2025 e será o maior investimento em nova instalação desde a construção da fábrica brasileira, em 1957. “Somos fortes na Europa e na América do Sul, mas somos fracos na Ásia”, diz.

Além de encurtar distâncias de exportação para mercados como o da Austrália, a fábrica chinesa vai, segundo Levin, proporcionar ao grupo sueco ensinamentos sobre “a tecnologia chinesa”. E ajudará a expandir capacidade. Além disso, destaca Levin, a Scania quer “trabalhar com engenheiros chineses, universidades chinesas e fornecedores chineses. “Não devemos ver isso como uma ameaça.”

 

Valor Econômico