Efeito da maior produção agrícola no PIB irá além do primeiro trimestre.
No início deste mês o IBGE anunciou que no trimestre passado o produto interno bruto (PIB) da economia brasileira cresceu 1% relativamente ao trimestre anterior, interrompendo assim uma sequência de oito trimestres em que esse mesmo cálculo produziu só taxas negativas. Como isso o PIB anual caiu 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016.
Esse crescimento no trimestre passado foi pequeno, mas saudado por ser positivo, e também por indicar que a recessão dos últimos dois anos teria chegado ao fim. Mas permanecem incertezas quanto a isso, em face do nebuloso e malcheiroso cenário político do País. Nossos políticos ainda não entenderam que suas trapalhadas constituem um fortíssimo ingrediente do mau desempenho da economia, pois afetam negativamente as expectativas de consumidores e empresários com relação ao futuro, fazendo com que contenham suas decisões de consumir e investir. O PIB sofre com isso.
No trimestre passado destacou-se o setor agropecuário, que rima com extraordinário, dada a sua competência em expandir a produção. E por sorte, também porque sua demanda vem em larga medida de países onde os políticos não têm a incompetência dos nossos. Destaca-se a que vem da China, em particular pela soja. Conforme Mauro Zafalon, da Folha de S.Paulo (13/6), só nos primeiros cinco meses de 2017 o Brasil exportou para aquele país 28,3 milhões de toneladas (!) de soja, 20% mais que no mesmo período de 2016. As exportações totais de soja produziram, também nesse período, em 2017, receitas que alcançaram US$ 13,6 bilhões (!), sendo que 86% vieram da China.
Abro parênteses para de novo ponderar que, entre os nossos e outros partidos políticos, o Partido Comunista da China me parece o que mais fez pelo Brasil desde meados da década passada. Em nome do partido, seu chefão deveria ser condecorado em Brasília com a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul. E também deveria ser criada a da Desordem do Cruzeiro do Sul, pois aqui há muita gente a merecê-la.
O crescimento de 1% do PIB já referido só veio porque na agropecuária o crescimento foi de 13,4%(!). A diferença entre essas duas taxas se explica porque esse 1% a mais no PIB é a média das taxas mostradas pelos 12 subsetores da economia conforme a divisão feita pelo IBGE. Essa média é ponderada pela participação desses subsetores no PIB e o da agropecuária isoladamente responde por cerca de 5% do total. Mas se considerado todo o agronegócio, cuja produção alcança a cadeia produtiva de vários outros subsetores e ramos, como o de alimentos industrializados, a participação fica perto de 25%.
Quando veio o anúncio da variação positiva do PIB no trimestre passado, e destacado esse forte crescimento da agropecuária, a imprensa noticiou grande preocupação de vários analistas com o fato de que o primeiro trimestre representa o auge da colheita agrícola e, por isso, em seguida o PIB trimestral da agropecuária cairia, com impacto negativo sobre a variação do PIB total. De fato, tomando como exemplo o ano de 2015, quando o aumento da safra agrícola foi considerado bom – o da atual é recorde –, o PIB da agropecuária cresceu 4,7% no primeiro trimestre, mas caiu 2,7% no segundo.
Faltou a esses analistas, porém, uma indispensável referência ao que na análise macroeconômica é chamado de efeito multiplicador de um determinado impacto favorável inicial, o qual se estende bem além do período em que ocorre inicialmente. Para prosseguir, tratarei apenas do efeito multiplicador das exportações agrícolas.
Quando ampliadas, como agora, há no País um aumento adicional da renda das pessoas envolvidas com sua produção, de empresários a trabalhadores. Esse aumento da renda cria demanda adicional por bens e serviços em geral, a qual será tanto maior quanto menores forem, por parte desses agentes econômicos, suas propensões a poupar e a importar relativamente ao acréscimo da renda que veio das exportações. Realizada uma primeira rodada de gastos que favorecem diversos setores da economia, nestes últimos seus empresários e trabalhadores também irão gastar parte de seus rendimentos, e assim sucessivamente, até que esse processo se esgote.
Tomarei como exemplo concreto do primeiro estágio parcial desse processo algo que ocorreu na Agrishow, feira de agronegócios realizada anualmente em Ribeirão Preto (SP) e que este ano foi de 1.º a 5 de maio. Ou seja, já no trimestre atual. Segundo o site dessa feira (www.agrishow.com.br), no evento houve uma movimentação de R$ 2,2 bilhões, com acréscimo de 13% relativamente à verificada em 2016. Essa movimentação alcançou principalmente a aquisição de máquinas e implementos para grãos, pecuária e irrigação (43%), outros equipamentos (19%) e armazenagem (11%). A renda gerada nesses setores alcançará outros, e assim por diante.
Outra notícia ligada ao assunto veio em reportagem intitulada Estados ‘agrícolas’ lideram buscas na internet, para compra de bens e serviços, publicada pelo jornal Valor do último dia 10. Baseou-se em levantamento feito pelo Google que apontou “um aumento mais expressivo nas buscas por produtos e serviços nos Estados com forte economia agrícola”.
E mais: a produção total de milho, parte da qual é colhida neste trimestre, teve também forte aumento do seu valor total, que passou de R$ 41 bilhões em 2016 para R$ 51,6 bilhões em 2017, ou 26% mais, conforme dados do Ministério da Agricultura, o que deverá contribuir para aliviar a esperada queda do PIB agropecuário no trimestre atual, e também gerar efeito multiplicador. Mas parece-me que essa queda será ainda mais aliviada pelo mesmo efeito do citado aumento de 13,4% no trimestre passado, podendo reverter a queda de 0,1% no consumo das famílias observada no mesmo trimestre, ou mesmo tornar essa reversão ainda mais positiva.
Roberto Macedo é conomista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior