A sociedade brasileira passou a contar, na véspera do Natal, dia 24, com um dos mais importantes programas de proteção ambiental e à saúde pública. Trata-se da Política Nacional de Biocombustíveis, RenovaBio, que visa a descarbonização da matriz de transporte com a indução, via mecanismos de mercado, da substituição dos combustíveis fósseis por biocombustíveis. Trará impactos em toda a cadeia produtiva até o consumidor final, além de ser uma resposta efetiva do Brasil aos compromissos assumidos no Acordo de Paris.
O programa começou a ser desenhado em 2016, com a formação de um comitê pelos vários elos da cadeia produtiva, como os produtores de biocombustíveis, distribuidoras e academia, sob o comando do Ministério das Minas e Energia (MME). Foi debatido e aprovado pelo Congresso Nacional e transformado na Lei 13.576 de 2017. Coube à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a parte da regulamentação para que o programa pudesse entrar em vigor ainda em 2019.
A principal virtude do RenovaBio foi montar uma estrutura de remuneração do serviço ambiental já prestado pelos bicombustíveis ao país com a mitigação da emissão de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, utilizando o conceito de ciclo de vida dos combustíveis (balanço de emissões desde a produção até a utilização final nos motores). Além disso, de acordo com a nova legislação, a expansão da produção será feita dentro das regras do Código Florestal Brasileiro, com a exigência do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para todas as propriedades agrícolas habilitadas, e não permite, sobretudo, nenhum tipo de desmatamento.
Para participarem do programa, os produtores de biocombustíveis (etanol, biodiesel, biogás/biometano e bioquerosene) terão que buscar a certificação junto à ANP, que vai emitir os Cbios ou créditos de descarbonização. Esse é o principal instrumento operacional lastreado de acordo com a nota de cada produtor e eficiência ambiental, que será comercializado às distribuidoras de combustíveis, outro elo importante do processo. Em última instância, serão essas as responsáveis pela redução efetiva da emissão de gases do efeito estufa (GEEs), com o cumprimento de metas anuais e crescentes de mitigação, estipuladas pelo CNPE.
Até 2029, a estimativa é de que sejam mitigados cerca de 700 milhões de toneladas de CO2 equivalentes da atmosfera, com a geração e comercialização de cerca de 700 milhões de Cbioss (cada Cbio equivale a uma tonelada de CO2 mitigada). A possibilidade de uma nova oportunidade de receita ao produtor de biocombustíveis gerará um ambiente de negócios favorável à expansão da produção e da melhoria da eficiência. Isso poderá proporcionar uma redução de custo operacional e, consequentemente, diminuição de preços ao consumidor.
Os produtores de etanol (a cadeia mais estruturada de produção de biocombustíveis no país), por exemplo, que perseguirem uma nota de eficiência maior, estarão, também, capturando mais carbono da atmosfera, a partir do momento que otimizarem o uso de insumos com impactos ambientais. Eles podem reduzir ou substituir o consumo de óleo diesel das máquinas da operação agrícola por biometano, produzido a partir da vinhaça e da torta de filtro, subprodutos da produção sucroenergética. Ou mesmo reduzir ou substituir o uso dos fertilizantes sintéticos por biológicos e até mesmo melhorar a eficiência da cogeração de energia, destinando mais bioeletricidade para exportação. A emissão de GEEs poderá, então, zerar e até ficar negativa, conferindo mais eficiência ambiental à produção, redução dos custos, com a geração de um ciclo virtuoso para toda a sociedade.
Outro benefício do programa, que não se pode esquecer, é que, caso o país não trilhasse pela valorização dos biocombustíveis, deixaria boa parte desses recursos para importação de combustíveis fósseis, como a gasolina e diesel. O cenário entre o balanço de oferta e demanda de derivados de petróleo no país é de déficit contínuo para os próximos 10 anos, o que faria com que tivesse que aumentar as importações ainda mais.
Minas Gerais, como terceiro maior produtor de etanol e com a segunda maior frota de veículos do país, deverá ser um dos principais impulsionadores do programa. Até meados de dezembro, das 31 empresas produtoras de etanol, 24 já haviam solicitado à ANP a certificação junto ao RenovaBio. É certo que com o cumprimento das metas, o país terá estruturado uma oferta regular e firme de biocombustíveis, capaz de assegurar ao Brasil níveis baixíssimos de emissões de carbono no transporte e uma segurança energética de modo sustentável.
Mário Campos é presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (SIAMIG)