A reforma da política nacional de biocombustíveis, delineada no RenovaBio, soma uma série de virtudes e merece ser vista com bons olhos. A primeira delas resume-se a seu próprio objetivo contra o aquecimento global: reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O programa federal marca uma mudança relevante na forma como o etanol é avaliado, reconhecendo externalidades positivas do biocombustível, como o aspecto ambiental. Consequência natural, a demanda pelos combustíveis mais limpos favorece a sustentabilidade econômica do setor sucroenergético brasileiro.
Trata-se de uma política de Estado de descarbonização do transporte, em linha com os compromissos assumidos pelo Brasil na 21ª Conferência das Partes – Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP21). Até 2030, a expectativa é de um corte de 43% das emissões nesse setor. Ao todo, com outras áreas além do transporte, se espera uma diminuição de 18%.
A participação da bioenergia na matriz energética nacional deve chegar a 18%, ampliando a segurança num setor estratégico para a economia do País. Não precisarão ser importados até 300 bilhões de litros de gasolina e de diesel, favorecendo a balança comercial.
Formulado pelo Conselho Nacional de Política Energética, com mais de 50 manifestações de entidades setoriais e representativas da sociedade, o RenovaBio alinhou como objetivos valorizar os biocombustíveis nacionais, prever a segurança energética, garantir a previsibilidade de investimentos, melhorar a qualidade do ar nas metrópoles, incentivar a inovação tecnológica e gerar emprego e renda.
Tudo isso sem nenhuma política de subsídios, renúncia fiscal ou novo imposto. O mecanismo é engenhoso ao delegar às distribuidoras de combustíveis o compromisso de redução de emissões por meio da aquisição de CBIOs (Créditos de Descarbonização por Biocombustíveis), ativo financeiro negociado na bolsa de valores emitido ainda no campo, a partir do momento de venda do produto.
O RenovaBio fixa metas nacionais de redução de emissões para a matriz de combustíveis por um período de dez anos. Esses objetivos serão desdobrados em metas individuais, a cada ano, para as distribuidoras, conforme a participação de cada uma delas no mercado de combustíveis fósseis. Na certificação da produção de biocombustíveis, serão atribuídas notas diferentes para cada produtor em valor inversamente proporcional à intensidade de carbono do biocombustível produzido.
A nota vai refletir a contribuição para a mitigação de uma quantidade específica de gases do efeito estufa em relação ao seu substituto fóssil (em termos de toneladas de CO2e – equivalentes em gás carbônico). O sistema terá o mérito de premiar a competência – será meritocrático.
A ligação entre a meta na distribuição de combustíveis e a certificação no campo se dará pelo CBIO. Os distribuidores cumprirão a meta quando demonstrarem a propriedade dos CBIOs em sua carteira. Gradualmente, as distribuidoras serão levadas a aumentar os volumes de biocombustíveis, em linha com o que o Brasil pactuou no Acordo do Clima de Paris. Abre-se espaço para um círculo virtuoso para o crescimento da produção de etanol. A princípio, a partir da capacidade já instalada, mas esse movimento pode exigir mais investimentos em processamento industrial, produtividade e área agrícola.
Especialistas estimam que, em 2030, o volume produzido no País possa crescer 50% em relação ao patamar atual, alcançando 40 bilhões de litros anuais. Outros estudos indicam que a expansão da oferta de biocombustíveis demandará R$ 1,4 trilhão de investimentos, com a criação de 1,4 milhão de empregos para a produção de etanol, biodiesel e biogás, além de outros segmentos das respectivas cadeias produtivas.
É importante ressaltar que essas previsões otimistas só se confirmarão com o bom andamento do programa, que está em fase de regulamentação. Além da geração de vagas e respectiva multiplicação de renda, haverá mais arrecadação de impostos e desenvolvimento em várias regiões do País, no lugar da importação de derivados de petróleo.
Com a demanda do etanol de cana em ascensão, outro efeito ganhará destaque: o RenovaBio deve impulsionar também os preços do açúcar, pois vai encorajar as usinas a produzir mais etanol, tirando pressão do mercado açucareiro, contribuindo para uma produção mais ajustada. Curto prazo: Como a regulamentação do RenovaBio deve se estender por 2018 e 2019 e, somente em 2020, o programa estará em pleno desenvolvimento, a Biosev considera que, no curto prazo, há espaço para um movimento de acomodação da produção de cana-de-açúcar.
A moagem em 2018/2019 deve ficar em 586 milhões de toneladas no Centro-Sul do País, ante os 599 milhões do ciclo anterior. Algumas usinas reduziram a renovação de canaviais e cortaram despesas com tratos culturais. Some-se a esses fatores o desligamento de usinas em 2017/2018.
Dentro de seu princípio de disciplina financeira, a Biosev, segunda maior processadora de cana do mundo, optou por trabalhar na redução de custos mais cedo na safra passada, trazendo para si uma resiliência em casos de preços reduzidos. Para baixar custos no que se refere à manutenção, o caminho passou por internalizar serviços, revisar estruturas e definir novos padrões operacionais, além de aperfeiçoar o uso de insumos e aumentar a eficiência dos processos.
A empresa tem como principal objetivo se tornar resiliente com foco também no aumento de produtividade. A gestão da companhia tem como pilares a eficiência operacional por meio da maximização do uso dos ativos e a otimização operacional e do portfólio de produtos.
A estratégia financeira foca disciplina, redução da alavancagem e alongamento do perfil da dívida. Para alcançar esses objetivos, continuaremos a atuar na preservação da liquidez, na gestão do capital de giro, na diversificação das fontes de financiamento, na utilização do fluxo de caixa livre para redução do endividamento e na redução do Capex, com eficiente controle de despesas.
Artigo publicado originalmente na Revista Opiniões (edição de Janeiro/Março de 2018).
Ruim Chammas é diretor-presidente da Biosev