No final de junho aconteceu o Ethanol Summit 17, evento que reúne todos os segmentos da economia envolvidos com o tema do etanol, dentre eles o futuro do seu uso automotivo.
Como estudioso do tema, fiquei preocupado, nas conversas com participantes e em algumas palestras, com a impressão que o etanol ainda é percebido com um combustível de segunda linha e que o carro elétrico pode determinar o fim do etanol como combustível. A primeira preocupação assume, implicitamente, que:
1) a autonomia do carro flex abastecido com etanol é 30% menor que com gasolina e;
2) o carro flex é a única alternativa possível para usar etanol, pois, segundo os fabricantes, os compradores rejeitam o carro a etanol.
Ora, a menor autonomia com etanol é consequência de o motor flex ter sido projetado para usar gasolina e apenas “quebrar um galho” com o etanol. Ele está longe de ser um combustível “alternativo”, pois diversas propriedades fazem com que seja mais adequado que a gasolina para uso em motores Otto, compensando seu menor poder calorífico. A autonomia de carros a etanol pode se equiparar à de carros a gasolina equivalentes, com a vantagem dos motores serem mais compacto e, portanto, mais leves e baratos.
Quanto à exigência do mercado pelos carros flex, a história é mal contada porque muitas montadoras oferecem carros puramente a gasolina e fazem lobby para autorizar a fabricação de carros a diesel. Montadoras não gostam desse tipo de novidades, muito particular ao mercado local. Quando tiveram de atender o Proálcool nos anos 80 e, mais tarde, quando resolveram lançar os flex no começo do século, no entanto, reagiram rápido e com muita competência.
Uns cinco milhões de motoristas só usam etanol no Brasil e formam um nicho de mercado importante que não é ignorado pelas montadoras. A FIAT, por exemplo, levantou em 2013 um empréstimo no BNDES para desenvolver um motor a etanol para equipar carros populares. A PSA também trabalha em um projeto parecido junto a universidades em São Paulo. Será que têm algum coelho na cartola?
A preocupação com a possibilidade de o carro elétrico matar o carro a etanol reflete notícias vindas da Europa onde há anos foi estimulado o uso de carros leves a diesel. Com o aumento da frota desses carros, aumentaram também as emissões urbanas prejudiciais à saúde e que voltaram a trazer o “fog” em Londres e Paris. Formas, pouco ortodoxas de medida, subavaliavam as emissões locais. Para sair do impasse passou-se a falar mais intensamente na introdução do carro elétrico, sob a égide da Conferência do Clima de Paris, COP 21.
O problema é que embora carros elétricos a bateria não emitam localmente, a energia elétrica que usam é, em boa parte, gerada com combustível fóssil que, necessariamente emite CO2. A avaliação das emissões de gases de efeito estufa não devem se restringir a medir apenas no escapamento. Dizer que os carros com motor de combustão interna vão acabar é prematuro, pois avanços apontam para motores ainda mais “limpos” que os atuais; o primeiro motor Otto de compressão variável, que dá um grande salto nesse sentido acaba de ser lançado comercialmente. A evolução natural dos sistemas de acionamento, por sua vez, aponta para carros híbridos que reúnem as boas propriedades dos motores, elétrico e de combustão.
Estamos, porém, no Brasil. Para conciliar a baixa emissão global e local por aqui, basta um pequeno passo: usar o etanol da cana de forma eficiente com carros otimizados para usarem o combustível renovável. Para tanto é importante que o setor produtivo se convença que, mais do que um combustível renovável e mais intensivo em ocupação de mão de obra, o etanol é o combustível ideal para os motores Otto.
Essa linha positiva, aliada a algumas ações para tornar o uso eficiente do etanol uma realidade, vai fazer o Brasil liderar uma revolução no seu uso. As atitudes negativas que derivam da aceitação de uma falsa inferioridade do etanol do setor canavieiro não têm sentido. Espero voltar ao próximo Ethanol Summit, daqui a dois anos, para ver uma atitude positiva e pró-ativa na busca do uso otimizado do etanol.
* Jayme Buarque de Hollanda é diretor geral do INEE e gerente Projeto Etanol Eficiente