“Retro / Expectativa da cana-de-açúcar” - Por Marco Lorenzzo Cunali Ripoli

“Retro / Expectativa da cana-de-açúcar” - Por Marco Lorenzzo Cunali Ripoli

Em 2017 continuamos vivendo momentos onde a produtividade média dos canaviais brasileiros está estacionária (apresentando um viés de queda) atingindo valores inferiores aos desejados. O baixo índice de renovação dos canaviais tem se mostrado um dos grandes vilões, que ao se estender a longevidade das plantas leva-se a deterioração ano após ano deste índice, principalmente após o quarto corte. O índice de endividamento setor sucro-alcooleiro vem aumentando devido as altas nos custos de produção, também como os baixos preços do açúcar no mercado mundial, comprimindo assim as margens do setor. 

Estamos muito aquém do nosso potencial... A UNICA em uma de seus ultimas publicações compartilhou os dados da safra 2016/2017 no Centro-Sul:

  • Moagem de ~607 milhões de toneladas
  • ~35,6 milhões de toneladas de açúcar
  • ~25,6 bilhões de litros de álcool (~10,6 de anidro e ~15,0 de hidratado)
  • ATR 80,7 milhões de toneladas
  • Kg de ATR por tonelada de cana de 133,03
  • Mix alcooleiro de 53,7%

Como podemos melhor este panorama? É preciso, de forma mais rápida e eficaz adotar novas formas de coleta e análise de dados que proporcionem adequada tomada de decisões para melhor cuidado do canavial, mas isso não é novidade, certo? Existem inúmeras ferramentas de Agricultura de Precisão disponíveis, porém ainda se faz necessário facilitar a forma com que produtores e suas equipes técnicas "transitem" da coleta de dados até realmente a atuação em loco no campo, maximizando o potencial produtivo da planta. Para isso, capacitação é a palavra de ordem.

Não se pode falar em energia renovável no Brasil e no mundo sem falar de cana-de-açúcar... Já é sabido que a demanda energética irá aumentar ~30% nos próximos 20 anos e que o Brasil tem condição privilegiada perante a outros "players" mundiais em termos de área, clima e manejo para liderar o fornecimento de alimento, energia e combustível, usando a cana como recursos sustentável.

Já defendia Tomaz Caetano Cannavam Ripoli (Prof. Titular da ESALQ-USP) a mais de 25 anos atrás que "além de fonte energética a cana-de-açúcar é responsável por proporcionar dezenas de outros subprodutos. O açúcar e o álcool se tornarão sub-produtos, atrás da energia gerada pelo próprio bagaço e do resíduo da colheita mecanizada". Então porque não agarrar esta oportunidade que só Brasil tem?

O RenovaBio tem se mostrado um divisor de águas que visa apoiar o setor e já conta com o apoio de grandes lideranças, empresas, consultores para a construção de políticas públicas para os programas de energias renováveis a partir do uso da biomassa, como da palha de cana. Até o momento não existem, ou ainda não são eficazes, políticas que proporcionem garantias a novos investimentos na matriz energética. O caminho ainda a ser percorrido é longo, mas a jornada já começou.

Para a safra 2017/2018 minha análise é pessimista, infelizmente, pois acredito que teremos uma nova quebra de produção, com moagem de ~580 milhões de toneladas, produção de açúcar de ~35 milhões de toneladas e ~24,5 bilhões de litros de álcool (com leve alta do anidro e queda do hidratado, devido ao constante aumento de Veículos com tecnologia Flex). O ATR da cana car no acumulado para 78,0 milhões de toneladas e o Kg de ATR por tonelada de cana não ultrapassará os ~134,50, tudo isso dentro de um mix de produção em alcooleiro a ~54%.

Em 2018 o início da safra ocorrerá normalmente, mas uma atitude que devemos cultivar é a de planejar para o longo prazo e não apenas visando a safra seguinte, o que muitas vezes ocorre. Minha preocupação não é quanto vamos produzir ano que vem, mas sim como estaremos daqui 10 ou 20 anos e qual nossa contribuição para abastecer a população mundial. Estaremos com um setor sucro-energético sólido, gerando boa receita e trabalhando com custos de produção mais em conta? São muitas as perguntas que ainda tenho em minha cabeça.

A cana plantada em março/abril de 2017 já sofreu bastante com 90 a 110 dias de seca este ano, dependendo do estado, comprometendo boa parte do canavial (fenômeno do "encarretelamento"). Ao mesmo tempo, houveram diversos episódios de incêndios nos canaviais (alguns espontâneos e outros, ainda, acreditem, criminosos). A cana não crescendo adequadamente não fechou seu "canopy" (área verde), o que permitiu o aumento da incidência de plantas daninhas, pragas e doenças, que geraram um aumento relativo no custo de produção graças a algumas entradas não programadas de pulverização.

A redução da produtividade da cana se dará também ao "nivelamento" fisiológico dos canaviais, o que significa não ter disponível a cana nos seus diversos estágios de desenvolvimento ao longo do ano o que não permite a matéria prima, quando processada, esteja no seu momento mais adequado prejudicando o ATR.

Por fim, ainda existem outras incertezas, como o preço do açúcar que vai acompanhar o preço do etanol, que vai acompanhar o preço da gasolina, que vai acompanhar o preço do petróleo e quanto a isso não temos como lutar.

Penso que valeria a penas uma revisão do Consecana para ajudar a reequilibrar o conceito de cadeia produtiva e promover crescimento ao setor. 

Não vamos desistir!

 

* Marco Lorenzzo Cunali Ripoli, Ph.D. é Engenheiro Agrônomo e Mestre em Máquinas Agrícolas pela ESALQ-USP e Doutor em Energia na Agricultura pela UNESP, executivo, disruptor, empreendedor, inovador e mentor.