Safra Finalmente Começa a Virar para o Etanol - Por Marcos Fava Neves
De acordo com a Unica, a moagem acumulada desta safra até o dia 01 de agosto foi de 297,33 milhões de toneladas. Estamos atrasados em quase 14,78 milhões de toneladas em relação à safra anterior. Já foram produzidos 17,57 milhões de toneladas de açúcar (16,97 milhões em 2016), e no etanol 11,54 bilhões de litros (-10,15%). O hidratado caiu 14,47%, para 6,57 bilhões de litros e o anidro caiu 3,74%, para 4,99 bilhões de litros.
No ATR, devido também à seca que atingiu os canaviais e que parece ter nos deixado agora, estamos ligeiramente acima do ano passado, chegando a 128,02 kg/t (em 2016 era de 127,26). A produtividade começa a se deteriorar, chegando no acumulado da safra a 82,44 toneladas por hectare, o que dá 2,91% a menos que na safra anterior, graças principalmente ao clima. Na quinzena também o mix foi de 50,33% para açúcar e moemos 1,42% a menos que a comparação do mesmo período.
Vale dar uma passeada pelos números das empresas do setor. Foi divulgado o lucro do grupo Lincoln Junqueira na safra 2016/17, de quase R$ 664 milhões, três vezes maior que na safra anterior, o que contribuiu para importante redução do endividamento. A receita liquida atingiu R$ 2,7 bilhões em 2016/17, e foram processadas 16,2 milhões de toneladas de cana. A redução do endividamento e das taxas de juros deve melhorar o resultado da operação, e também o negócio de cogeração, com o recente aumento dos preços da energia no mercado livre.
Já a Biosev apresentou um prejuízo líquido perto de R$ 577,3 milhões neste primeiro trimestre do ano-safra 2017/2018 (abril a junho). Por estes dados pode se perceber o dano do endividamento no setor de cana. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) chegou a R$ 159 milhões (13,5% maior), mas com os juros da dívida, que era de R$ 5,218 bilhões no final de junho, a operação é drenada, mesmo com melhor performance, moendo mais cana e com melhor ATR. Deve moer no total algo perto de 32,5 milhões de toneladas nesta safra.
A Cofco Agri deve aumentar sua participação no setor de cana. Já adquiriu a Noble Agri (capacidades de 15 milhões de toneladas) e pode ter interesse nos ativos da Renuka. Tal como seu avanço nas tradings e nos distribuidores de insumos, eu acredito em entrada mais forte dos chineses no setor. Na safra 2016/17 o Grupo Balbo teve um lucro líquido de R$ 6,32 milhões, 82% menor que na safra anterior. Mesmo com receita maior (R$ 990 milhões), o endividamento de R$ 451 milhões pesou na balança. Segundo a Archer, o endividamento das usinas, no final de julho, alcançou R$ 88,59 bilhões (5.43% a mais que ano passado), sendo em minha visão a principal doença do setor, que deve ser amenizada com a redução dos juros.
Em relação aos resultados da São Martinho, foi divulgado que duas estratégias funcionaram muito bem: as vendas antecipadas de açúcar (77% do total, vendidos a R$ 1485/tonelada, 26% maior que no ano anterior) e a comercialização de energia elétrica, que aumentou 51%. O lucro líquido do trimestre foi de R$ 116,9 milhões e o EBITDA de R$ 475,3 milhões (42% maior, com margem de 54,8%). A alavancagem (divida líquida sobre o EBITDA) está em 1,52. A São Martinho deve moer 22,3 milhões de toneladas e opera com 93% da capacidade instalada (capacidade de 24 milhões).
Foi inaugurada a usina de milho da FS Bioenergia em Lucas do Rio Verde, investimento de R$ 450 milhões com perspectivas de faturamento ao redor de R$ 500 milhões por ano. Produzirão etanol, óleo de milho (usado no biodiesel) e o farelo de milho, chamado de DDG ("distillers dried grains"). É próxima de uma fábrica de rações e de biodiesel, o que deve permitir a circularidade de produtos. Esta unidade pode moer 50 mil toneladas de milho por mês e produzirá 240 milhões de litros por ano. O capital é de 75% da empresa americana Summit e 25% da Fiagril. A Datagro acredita que na safra 2017/18 teremos já 750 milhões de litros sendo produzidos no Brasil, mais etanol no mercado.
Concluindo esta primeira parte sobre a safra, estamos atrasados e fazendo mais açúcar que o previsto, devemos agora começar a ter maior percentual de etanol e este atraso não preocupa muito pois temos menos cana que no ano anterior e capacidade para processá-la. Porém, ao terminar esta coluna, a chuva volta com força na região canavieira de São Paulo, e em Ribeirão Preto após 70 dias, vamos ver se teremos efeitos em atraso da safra.
No açúcar, segundo a Organização Internacional do Açúcar (OIA) devemos ter um superávit de 4 milhões de toneladas na safra 2017/18. Outras estimativas são do Rabobank (2,7 milhões) e FO Licht (5,4 milhões), todas superavitárias. Pelo USDA a produção será de 179,6 milhões de toneladas, sendo 36,4 milhões do Brasil, que colocará quase 1 milhão de toneladas a mais que o esperado, devido à safra açucareira que vem vindo até o momento.
Em relação às exportações, em julho foram 2,661 milhões de toneladas de açúcar bruto, queda de 13,8% no total exportado no mês de junho (3,089 milhões de toneladas) e também 8,6% abaixo de julho de 2016. Traduzido em dólar, trouxemos US$ 1,040 bilhão, 18,3% a menos que junho e 2,2% abaixo de julho de 2016. Porém, considerando todo o ano de 2017, exportamos 15,444 milhões de toneladas (+0,2%) e faturamos US$ 6,554 bilhões (+31,3%).
Notícia negativa ao setor foi o estudo do Rabobank, que estima que teremos um recuo conjuntural na demanda de açúcar que pode chegar a 5% em três anos, empatando com o crescimento anual esperado de 1,5 a 2%. Este recuo viria de mudança em hábitos de consumo e pressão regulatória de Governos, visando reduzir os teores de açúcar em bebidas e outros produtos. Acreditam que a taxa de crescimento nestes próximos 15 anos será menor que nos últimos 15. Temos que observar bem isto, pois os consumos per capita em mercados populosos são ainda bastante baixos, e isto, como o próprio estudo alerta, é o fator principal que pode contrabalançar este quadro.
Para somar nas más notícias do mês, o consumo de Stevia (planta da família do girassol), aumentou 3 vezes entre 2011 a 2016 (Euromonitor). Representa pouco, mas vem recebendo grande volume de investimentos, principalmente na questão do sabor. O estudo mostra que mais de 10.000 produtos foram lançados com Stevia neste período. Segundo a LMC International, o açúcar detém 83% do mercado de adoçantes. A Coca Cola também lançou concurso para ver quem descobre um substituto ao açúcar, com prêmio de US$ 1 milhão. Enfim, temos que manter atenção a isto.
Segundo a Archer, o preço médio de julho foi de 14,12 centavos de dólar por libra-peso, 4,35% maior que junho. Acreditam que no último trimestre podemos ter média de 16,56 centavos de dólar por libra-peso podendo tocar os 18 centavos. Segundo a empresa nossas usinas já fixaram 2,7 milhões de toneladas para 2018/19 a um preço médio de R$ 1.222/ton.
Fechando o papo do açúcar, continua um clima de pessimismo no mercado contaminado pelos fatores baixistas e pouca expectativa que o petróleo possa subir mais e turbinar o etanol. No fechamento desta leitura o mercado futuro de açúcar estava em 13,00 centavos de dólar por libra-peso. No mercado interno, a saca está ao redor de R$ 55,00, bem menor que o mesmo período do ano passado. Ou seja, não foi um bom mês e para piorar estamos com queda já de mais de 30% nos preços neste ano. Temos que tomar cuidado com a provável valorização do Real caso passem as reformas estruturantes neste segundo semestre. Mas com o recente maior mix para etanol e efeitos do clima seco sobre a safra de cana, meu viés de preços é altista.
Finalmente, sobre o etanol, o consumo de combustíveis caiu 1,3% no primeiro semestre, sendo que o do Ciclo Otto cresceu 2,1%. Em junho, o consumo de gasolina cresceu 11,6% (3,762 bilhões de litros) e o consumo de etanol caiu 17,6%. Seguimos perdendo mercado. Em gasolina equivalente consumimos nos últimos 12 meses 53,76 bilhões de litros. Segundo a Archer, caso a economia cresça nestes dois próximos anos, o consumo total pode encostar em 58 bilhões de litros, necessitando mais oferta tanto de gasolina quanto de etanol. As importações de combustíveis e lubrificantes estão 33,7% maiores em 2017 e somente em julho foram 57,3% maiores que o mesmo mês de 2016. Ou seja, segue aumentando o buraco na conta combustíveis.
Exportamos em julho 156,1 milhões de litros de etanol, 2,5% a menos que junho e quase 30% a menos que julho do ano passado. Em termos de faturamento, foram US$ 80,6 milhões neste mês, 6,4% a menos que junho e 23% a menos que julho de 2016. Considerando-se todo o ano de 2017, estamos com um volume exportado de 744,8 milhões de litros (42,8% menor), e faturamento de US$ 438,6 milhões, 30% a menos que o ano passado.
O Governo voltou atrás e reduziu o valor do imposto (PIS/COFINS) sobre o etanol em 0,08 centavos. Era de R$ 0,20 e passará a ser de pouco mais de 11 centavos/litro chegando a 0,24/litro (já tínhamos cobrança de 0,12 centavos).
Estamos com problemas na oferta da energia da categoria que envolve a biomassa, a "incentivada" (eólicas, solares, térmicas e biomassa). A boa notícia foi que os preços da energia elétrica no mercado livre dispararam, o que deve ajudar no caixa de muitas usinas. Passam de R$ 500 o MWh.
Em relação à tributação do etanol americano, caminha-se para uma decisão de aplicar 20% de tarifa no que exceder 600 milhões de litros anuais (150 milhões por trimestre). Meu receio principal é a retaliação que isto pode trazer num momento que não é bom ao setor. Eu preferia outros mecanismos, mais alinhados com o RenovaBio e a política de tributação por emissões, além de corrigir os problemas causados pelo incentivo dado no Maranhão para as importações.
Mais um estudo sobre a questão ambiental do etanol foi publicado, com apoio da FAPESP. Este relaciona os preços dos combustíveis às emissões, comprovando que estas aumentam com o aumento da participação da gasolina no mercado.
O Governo do Reino Unido anunciou que proibirá a venda de carros novos e vans a diesel ou gasolina em 2040. A medida visa combater a poluição. A consultoria IHS-Markit crê que a venda de carros com combustão interna na União Europeia deve cair de 17 milhões de veículos em 2015 para 12 milhões em 2025. Carros elétricos passariam de 350 mil para 1,85 milhão neste período.
Estudo da EMBRAPA Agroenergia mostra que teremos muita dificuldade de cumprir a meta de 18% de participação de biocombustíveis na matriz energética até 2030 (compromisso assinado na Conferência Mundial do Clima de Paris (COP-21). Acreditam na dificuldade do etanol crescer e que o peso recairia sobre o Biodiesel. São alguns cenários, se o etanol crescer 5% ao ano chegaria a 50 bilhões de litros em 2030 (6,1% da matriz). Neste caso precisaríamos mistura 69% de biodiesel no diesel. No segundo, o etanol cresceria 10,2% ao ano, atingindo 79,5 bilhões de litros (9,7% da matriz) e o biodiesel precisaria ser misturado a 49% no diesel. Enfim, grandes desafios à frente.
Prof. Plinio Nastari estima que o custo de se produzir etanol deve cair de 12 até 29% no caso da efetivação do RenovaBio, refletindo aumento de produtividades tanto no campo como na indústria. O funcionamento em discussão é a emissão por parte das usinas, de "créditos de descarbonização de biocombustíveis (CDBios), que seriam adquiridos por distribuidoras que vendem combustíveis fosseis, visando a compensação de suas emissões, portanto baseado em precificação de carbono. Estes recursos virariam investimentos e a produtividade cresceria, sendo o argumento do Prof. Plinio. Tínhamos a produtividade de 2.025 litros por hectare em 1975, passamos a 6.831 l/ha e com a crise voltamos a 5.688 l/ha. Podemos ir a 10 mil litros/ha, diminuindo o custo.
A UNICA também aderiu ao Carbon Pricing Leadership Coalition (CPLC), do Banco Mundial, que tem participação de Governos, empresas privadas e ONG´s. Segundo a UNICA, o Brasil utiliza 1% da área agrícola do país, o etanol é usado em 26 milhões de carros flex e em 13 anos de uso, evitou o lançamento de 370 milhões de toneladas de CO2.
Começa, finalmente, a ser alocada mais cana para etanol. Segundo a FG/A no fechamento desta coluna o etanol remunerava de 5 a 10% a mais que o açúcar, confirmado também pela Cosan. O hidratado está R$ 1,41 e o anidro em R$ 1,60. Acreditam que 48,1% será dedicado a açúcar.
No fechamento da leitura agosto foi um mês que não foi bom ao setor, mas na estrutura, um pouco mais de esperança com o menor aumento do PIS COFINS e retomada da produção de etanol. Penso que o etanol não deveria ter aumento tributário algum, até para sinalizar que o RenovaBio vem para valer. Fica complicado assinarmos um papel em Paris com metas ambientais e caminhar na contramão no sentido de aumento de tributos. Meu viés para o etanol também é altista, creio no aumento do consumo de combustíveis agora.
Marcos Fava Neves é Professor Titular da FEA/USP, Campus de Ribeirão Preto. Em 2013 foi Professor Visitante Internacional da Purdue University (EUA) e desde 2006 é Professor Visitante Internacional da Universidade de Buenos Aires e Membro de diversos Conselhos, sendo na cana da Orplana e da Ouro Fino. Este material é um resumo mensal feito sobre assuntos de relevância à cadeia da cana de açúcar. (favaneves@gmail.com).