De estudos mundiais relevantes que pude ver publicados em julho, vale destacar o novo relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da FAO, a agência da ONU para agricultura e alimentação reforçando o papel das Américas na produção e exportação de alimentos. O estudo coloca que América Latina e o Caribe devem passar de 23 para 25% das crescentes exportações mundiais dos agronegócios até 2028. Divididas pelas principais commodities, em dez anos o açúcar cresce 7%, arroz 24%, trigo 23%, oleaginosas 40,5%, carne bovina 57%, frango 27% e suínos 33%.
Impulsionados por este aumento de exportações, a produção de cereais deste grupo de países crescerá 22%, puxando para cima a média mundial de crescimento prevista em 15% (a produção mundial atingirá 3,053 bilhões de toneladas). Nas carnes, nossa região crescerá 16%, também acima do crescimento mundial de produção, prevista em 13%. Ou seja, bem mais que a média mundial.
O relatório fortalece nossa hipótese de que o abastecimento das crescentes importações da Ásia e da África (apesar de que a taxa de crescimento do consumo mundial de grãos cai de 2,1% a.a. para 1,2% a.a.) será feita pela nossa produção. O ponto negativo é que relatório também prevê que os preços em dólar caiam cerca de 1,2% ao ano em termos reais, ou seja, temos mercado, mas é preciso de mais eficiência para ter lucro.
No caso do milho aguardam que em 2028 a produção tenha aumentado 183 milhões de toneladas, assim distribuídas: China 47 m.t.; EUA 31 m.t.; Brasil 25 m.t.; Argentina 17 m.t. e Ucrânia 6 m.t. O consumo em 2028 seria de quase 190 milhões de toneladas a mais. Na última década o consumo cresceu 265 milhões de toneladas (comparando-se ao que era consumido em 2008 com 2018). O mercado importador de milho crescerá 33 milhões de toneladas, atingindo 193 milhões em 2028, e 90% será exportado por cinco países (EUA, Brasil, Argentina, Ucrânia e Rússia). Os cinco maiores compradores mundiais de milho serão México, União Europeia, Japão, Coréia do Sul e Egito, com quase 45% do total.
Pelo mesmo relatório, nos próximos 10 anos, o crescimento da produção de soja no Brasil deve superar 1,8% ao ano, e nos EUA, 1,2% ao ano. Por esta projeção, chegaremos a produzir 144 milhões de toneladas de soja em 2028. A China deve importar cerca de 113 m.t. de soja em 2028, quase 65% do total. Quase 90% da soja exportada será do Brasil, EUA e Argentina, sendo que o Brasil deve atingir sozinho mais de 42%. Ou seja, um vendedor com mais de 40% e três vendedores com 90%.
O Banco UBS também lançou um estudo (Food Revolution) onde mapeia oportunidades de US$ 700 bi no agro com as novas tecnologias e a digitalização. O uso de tecnologia aumentará bastante (estimam que seja um mercado de US$ 90 bilhões em 2030) e o mercado de proteínas vegetais (carnes de laboratório) devem saltar para US$ 85 bilhões em 2030 contra os atuais US$ 4,6 bilhões. O delivery é outra área em crescimento, aumentando cinco vezes em 12 anos. Enfim, grandes oportunidades pela frente.
Ainda na temática mundial do agro em julho, mais detalhes sobre o acordo com a União Europeia foram divulgados. Pela análise do MAPA, quando em regime total, 82% dos produtos agro do Brasil terão acesso livre ao mercado europeu. Outros 18% dos produtos passarão por cotas. Diversas frutas que pagavam tarifas ao redor de 10% irão a zero em 10 anos (melancia, maçã, limão, lima, abacate, uva, entre outras). No caso do café processado em quatro anos, cai a zero a tarifa atual de 9%, no fumo também cai a zero de 4 a 7 anos, dependendo do estágio de processamento. Para peixes e outros pescados de 7 a 10 anos para caírem todas as tarifas. Estes fazem parte dos 82% que não terão restrições de cotas.
Dos que terão cotas (volumes), vale destacar a carne bovina (99 mil toneladas peso carcaça com tarifa de 7,5%), e a tarifa de 20% da cota Hilton (10 mil toneladas) cai a zero no início da vigência do acordo. Nas aves a cota estabelecida foi de 180 mil toneladas com tarifa zero. Na suína, perdurou uma tarifa de 83 euros por tonelada para 25 mil toneladas, e no ovo 3 mil toneladas sem tarifa. No açúcar são 180 mil toneladas sem tarifa, no arroz 60 mil toneladas e no milho, 1 milhão de toneladas. Estes volumes todos podem aumentar a partir do quinto ano de vigência. No caso dos biocombustíveis, o etanol ficou com 450 mil toneladas de cotas para tarifa zero. Abre-se mais o mercado para cachaça cuja taxa cai de 9 para 0, em 4 anos (fonte: MAPA). As tarifas para o suco de laranja também vão a zero em 10 anos.
Outro estudo interessante lançado em julho este no Brasil, foi a tradicional estimativa de 10 anos do Ministério da Agricultura. No cenário base, teremos que plantar a mais nos próximos 10 anos o total de 10,3 milhões de hectares. Iríamos dos atuais 75,4 milhões de hectares para 85,68 milhões quando se consideram todas as lavouras e especificamente nos grãos, saltaremos de 62,9 milhões de hectares para 72,4 milhões. Com este aumento de área e de produtividade, passaremos das atuais 236,7 milhões de toneladas para 300 milhões produzidas.
Boas notícias e oportunidades para o médio prazo. No curto prazo desta safra, a variável mais importante agora é acompanhar o desempenho da gigantesca safra americana. O fato é que áreas do corn belt americano agora enfrentam fortes temperaturas e período muito seco. Existe muita incerteza ainda com relação à produtividade desta safra. No final de julho as lavouras de milho classificadas com boas ou excelentes eram 58%, 14% abaixo da safra passada, que tinha 72% nestas condições. Na soja, 54% classificadas com boas ou excelentes, contra 70% do ano passado. Ainda há incerteza também na área total plantada e qualquer problema climático adicional trará grande impacto. Os preços dos grãos ficaram estáveis no mês, e este ponto é o que pode fazer variar mais fortemente em agosto.
No âmbito da peste suína africana, a China importou em junho mais de 160 mil toneladas de suínos, volume 63% maior que o mesmo mês de 2018. No ano, as importações chinesas passaram de 800 mil toneladas, 26% a mais. Os preços subiram mais de 20% ao consumidor, e as importações de carne bovina estão batendo recordes, rumando para 150 mil toneladas ao mês, sendo até o momento, a Austrália, o grande ganhador nas exportações para este mercado, com crescimento de 55% em relação ao ano passado. Preocupa a inflação dos alimentos na China e isto pode ter impactos positivos ao agro brasileiro. Também o esperado gesto de “goodwill” (boa vontade) dos chineses em retomar importações do agro americano não aconteceu em julho. Vamos observar em agosto.
Para concluir um mês com bons sinais de longo prazo no seu último dia, Ministro Paulo Guedes anuncia oficialmente o início dos trabalhos para a construção de um acordo comercial entre EUA e Brasil. Ai sim estamos falando de coisas grandes. Vejam só, mesmo em produtos do agronegócio, os EUA importaram ano passado US$ 130 bilhões, e suas importações aumentaram US$ 50 bilhões em 10 anos. O Brasil exportou US$ 100 bilhões, ou seja, só os EUA importam mais do que exportamos no mundo todo.
Os cinco fatos do agro para acompanhar agora diariamente em agosto são:
1) O mais importante: o andamento do clima na safra dos EUA e as estimativas de produção;
2) A estimativas de importações de carnes vindas da China com os impactos da evolução da peste suína africana. Grande incerteza.
3) As questões comerciais de China e EUA e se haverá mesmo gesto de boa vontade para aumentar a importação de alimentos dos EUA pela China visando acelerar as negociações, sendo este um risco ao Brasil;
4) A retomada dos trabalhos no Congresso e Senado e o andamento das reformas da previdência e outras;
5) Evoluções do acordo comercial Mercosul e União Europeia.
Passei duas semanas na China, estou com o cérebro esgotado com tudo o que eu vi, uma velocidade impressionante. Tenho feito um esforço de colocar o aprendizado nas mídias sociais e farei texto específico sobre isto. Acompanhem!
*Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio.