Na semana passada, depois da tão esperada aprovação do marco legal do saneamento, fomos surpreendidos pelo Congresso Nacional com o questionamento da venda das refinarias da Petrobrás. O argumento seria de que a Petrobrás estaria dando um by-pass na legislação que obriga que qualquer privatização de empresas estatais só possa ser realizada por meio de um projeto de lei discutido no âmbito do Congresso.
Em junho de 2019, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu critérios para a privatização das estatais. Os ministros chegaram às seguintes conclusões: 1) a alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedade de economia mista exige autorização legislativa e licitação; e 2) a exigência de autorização legislativa, todavia, não se aplica à alienação do controle de suas subsidiárias e controladas. Neste caso, a operação pode ser realizada sem a necessidade de licitação, desde que siga procedimento que observe os princípios da administração pública, respeitada, sempre, a exigência de necessária competitividade.
Para o ministro Alexandre de Moraes, não há necessidade de edição de lei específica para alienação de subsidiárias de empresas públicas. A lei de criação da empresa principal pode prever a possibilidade de criação de subsidiárias ou controladas. Contudo, ressaltou, não se pode exigir que haja autorização legislativa para a criação de cada subsidiária.
Se a empresa pública não puder contar com instrumentos de gestão empresarial, deixa de ser competitiva, salientou o ministro, que deu como exemplo a Petrobrás. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o artigo 64 da Lei n.º 9.478/97 prevê que a Petrobrás pode criar subsidiárias. Esse procedimento, explicou o ministro, permite à empresa pública uma agilidade empresarial para conseguir melhores negócios para a manutenção, com saúde empresarial, da empresa-mãe.
Ao negar referendo à liminar, o ministro entendeu que não é exigível autorização legislativa específica para venda de ações de subsidiárias ou controladas, mas apenas nos casos de alienação de controle acionário da empresa-mãe, e que a dispensa de licitação pública, prevista na lei questionada, está de acordo com a Constituição.
A dificuldade de privatização das refinarias já era esperada. Quando olhamos a história da Petrobrás, fica claro que, no segmento de refino, o monopólio sempre esteve mais presente dentro da corporação. A Petrobrás, criada no início da década de 50, não conseguiu nos primeiros anos cumprir com a missão de dar a tão sonhada autossuficiência de petróleo. Para justificar a existência do monopólio, no início dos anos 60, a missão passou a ser dar a autossuficiência em refino. Isso foi feito e, durante toda a década de 60, os maiores investimentos se localizaram no refino. Os sindicatos com posições mais radicais do “Petróleo é Nosso” sempre tiveram muita presença no refino. A pandemia ajuda a criar dificuldades para a privatização, na medida em que fortalece o discurso populista de que, diante deste cenário de preços, não se pode vender as refinarias. O que não se fala é que a Petrobrás, neste movimento de sua refundação pós-Lava Jato, está somente vendendo metade de sua capacidade de refino. Portanto, a empresa vai se manter na atividade e o retorno será maior para os seus acionistas com o novo redesenho do setor de refino.
A concentração da capacidade de refino no País em apenas uma empresa não atende aos interesses maiores da sociedade brasileira. O maior amigo do consumidor é a concorrência e o maior inimigo, o monopólio, seja público ou privado.
O questionamento do Congresso sobre a privatização das refinarias da Petrobrás representa um retrocesso, no sentido de criar insegurança jurídica. Esse tipo de posicionamento contamina todo o processo de privatizações de concessões e empresas estatais, fundamental para a retomada do crescimento econômico pós-pandemia. A disputa por capitais privados vai ficar maior no mundo pós-coronavírus.
A aprovação do marco legal do saneamento pelo Congresso Nacional foi um avanço, mas o questionamento à privatização das refinarias é um retrocesso.
Adriano Pires é economista, é diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura) e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).