O mercado de refino de petróleo no Brasil está passando possivelmente pela maior mudança estrutural dos seus mais de oitenta anos de existência. Dois grandes movimentos corroboram com esta afirmativa, a venda de metade da capacidade de refino da Petrobras e a transição energética. Desafios e oportunidades surgem em meio as mudanças, alguns dos quais já se tornam visíveis.
A abertura de fato do mercado de refino, embora já tivesse a chancela legal desde 1997, dá sinais de que agora vai efetivamente ocorrer. O interesse e os investimentos privados já começaram e marcam definitivamente uma nova fase no setor.
Uma pequena refinaria que está sendo erguida na Bahia, a ampliação de outra unidade existente também em território baiano, a adaptação de uma planta industrial para refino de petróleo em São Paulo e os projetos de duas novas unidades de refino no Espírito Santo demonstram o otimismo em relação a este novo momento do mercado de refino no país.
Em Simões Filho (BA), o canteiro de obras já estampa as torres de destilação e os trocadores de calor da Brasil Refinarias, que constrói uma unidade de 736 barris por dia (bpd) de capacidade na localidade.
Pode parecer pouco em termos de volume, mas é uma forte sinalização de confiança nas mudanças em curso. A unidade quando pronta deverá produzir nafta leve, querosene, diesel S-500, parafina e óleo combustível a partir do petróleo fornecido por pequenos produtores do Recôncavo Baiano.
A uma distância de menos de 30 quilômetros do município de Simões Filho, no polo de Camaçari, encontra-se a refinaria baiana Dax Oil, que concluiu recentemente a ampliação da sua planta de refino, que passou de 2.500 bpd para 4.000 bpd.
Já existe, aliás, plano para triplicar a capacidade da unidade, levando-a a 12.000 bpd até o final de 2021, para atender ao aumento de oferta de óleo cru que é produzido pelos produtores independentes, que cresce na esteira dos desinvestimentos da Petrobras nos campos maduros do nordeste.
No município de Coroados (SP), a SSOil Energy está finalizando as obras de uma unidade com capacidade de 12.500 bpd para processamento de condensado de petróleo com foco no mercado de combustíveis do Centro Oeste.
A refinaria deve ter sua partida em 2021, após as devidas autorizações da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Serão produzidos lá gasolina A, diesel S500, óleo combustível e solventes especiais.
No rol de novos investimentos em refino, a EnP Energy Platform e o Oil Group estudam a implantação de duas refinarias no Estado do Espírito Santo. Ao norte do Estado, a RelubES (Refinaria de Lubrificantes e Derivados do Espírito Santo) é planejada para utilizar óleo de produção terrestre capixaba, com baixo teor de enxofre, para gerar óleos lubrificantes básicos naftênicos, gasolina, combustível marítimo e asfalto.
Ao sul, planeja-se a RefinES (Refinaria do Espírito Santo), por conta da infraestrutura portuária em desenvolvimento e a proximidade com o Pré-sal. A planta deverá produzir gasolina, óleo diesel, GLP (gás liquefeito de petróleo) e MGO (marine gasoil). As duas refinarias somadas, em sua primeira fase, agregarão 50 mil barris diários de capacidade de refino ao Brasil, segundo informam as empresas que tocam estes projetos.
Os novos empreendimentos ampliados, em construção ou em fase de planejamento supracitados ocorrem porque os investidores estão confiantes com a venda das refinarias da Petrobras, que ensejará um ambiente de negócios mais plural, e com a política de precificação dos combustíveis à realidade de mercado praticado pela estatal.
O Brasil não tinha tantos projetos privados de refino em andamento no país desde a década de 1950. Existe ainda espaço para que mais unidades em refino surjam conforme a consolidação deste processo avance. Apesar da autossuficência em petróleo já alcançada no país, somos deficitários em derivados leves, cuja importação diária tem sido da ordem de 500 a 600 mil bpd nos últimos dois anos.
Peça central desta nova fase de investimentos na infraestrutura de refino é a prática de preços de paridade de importação de derivados adotada pela Petrobrás desde 2017 nos combustíveis.
Em resumo, o preço de saída dos combustíveis das refinarias é definido pela comparação com o produto importado, levando-se em consideração o valor do derivado no mercado externo, a taxa de câmbio e os custos de internação. Por se tratar de um sistema dinâmico, a percepção de tais premissas não é homogênea entre os agentes, ou seja, cada um pode precificar a paridade de forma ligeiramente distinta, diferindo no resultado final da arbitragem em alguns centavos por litro.
O preço de paridade com o produto importado é um elemento fundamental para a manutenção das atividades de importação, para os refinadores de petróleo e para o setor sucroalcooleiro, uma vez que o etanol segue com o preço atrelado ao da gasolina.
A manutenção dos preços dos combustíveis abaixo da paridade, observada de forma contundente entre 2010 e 2014 no Brasil, causou dezenas de bilhões de dólares de prejuízo ao refino da Petrobras, inibiu importadores e aniquilou os refinadores privados, assim como levou dezenas de usinas de etanol à falência ou ao alto endividamento. A ausência de investimentos na infraestrutura de importação e refino é efeito secundário percebido neste contexto.
Há quem advogue que a estatal, por ser uma empresa integrada, produtora de petróleo, poderia praticar preços mais baixos nos combustíveis do que um refinador que não é integrado.
A afirmação, apesar de verdadeira, normalmente desconsidera os impactos advindos desta artificialidade sobre todo o segmento de importação e refino no país. Tal política pode trazer algum alívio momentâneo de preços a curto prazo, mas gera grandes impactos negativos no médio e longo, os quais foram citados anteriormente.
É inegável, contudo, que a volatilidade dos preços dos combustíveis e o câmbio desfavorável gere preocupações e exerça pressão sobre os preços de modo geral, especialmente por causa do diesel, ou ainda, que as famílias mais pobres sofram com o aumento do gás de cozinha, por exemplo. Essas são questões que perturbam qualquer economia mundial e merecem atenção e políticas públicas por parte do Governo.
O subsídio, caso seja de interesse coletivo, porém, deve ser feito de tal forma que não crie distorções nem traga prejuízos aos agentes do setor.
Um vale-gás vinculado ao bolsa-família, patrocinado com recursos dos royalties do Pré-sal por exemplo é muito mais eficaz como política pública do que fazer com que a Petrobras pratique preços abaixo do valor de mercado no GLP que é distribuído para ricos e pobres, além da deformidade setorial que isso causa. O mesmo raciocínio vale para a gasolina e o diesel.
A segunda boa notícia deste movimento de consolidação do setor de refino e derivados de petróleo é que, além da atração de novos investimentos, se está construindo o caminho para que os preços venham efetivamente a cair no futuro. A transição energética vai nos ajudar neste sentido, impelido pelo Renovabio.
Ao valorar a eficiência na produção de biocombustíveis, o programa de créditos de carbono do Renovabio deve a longo prazo reduzir os preços dos biocombustíveis, tornando-os mais atrativos ao consumidor. De quebra, o preço dos combustíveis fósseis deverá acompanhar o movimento de queda.
Estima-se que o efeito da substituição do consumo da gasolina comum pelo etanol hidratado, por exemplo, vá gerar um excedente de gasolina no mercado interno, de forma que nos tornaremos exportadores líquidos do derivado fóssil.
Isso fará com que o preço de exportação e não mais o de importação seja o parâmetro de precificação, isto é, evita-se o custo de internação hoje embutido no preço de paridade de importação.
Os novos investimentos em refino, que irão aumentar a oferta de derivados de petróleo, associada a maior oferta concomitante de bioenergéticos, como etanol e biodiesel, o aumento da frota de veículos elétricos e de GNV leva a crer que é possível que o Brasil alcance a autossuficiência em derivados automotivos no futuro.
O novo mercado de refino que está surgindo no país é parte desta construção. As mudanças ora em curso neste segmento têm potencial para nos tornar um país melhor, com investimentos realizados por múltiplos players, com mais empregos, geração de renda, maior uso de biocombustíveis e menor importação de derivados.
Os primeiros sinais já estão aí. Avante!
Marcelo Gauto é químico industrial e especialista em petróleo e gás. Escreve na primeira sexta-feira do mês.