Um país na contramão da transição - Por Adriano Pires

Um país na contramão da transição - Por Adriano Pires

Uma das principais bandeiras do governo é a descarbonização da matriz energética nacional. O discurso e os programas apresentados estabelecem o compromisso com a expansão das renováveis. Contudo, a prática ainda se mostra contrária.

O setor de transportes, líder no consumo de energia no país, tem 77% de participação dos combustíveis fósseis. Isso, no país que ocupa a vice-liderança no ranking dos maiores produtores mundiais de biocombustíveis.

Nesse contexto, de 2020 a 2022, a participação da gasolina A no mercado de veículos leves passou de 57% para 61%, enquanto o etanol teve retração, passando de 43% para 39%. A participação da gasolina, além de ser a maior, é crescente. No último ano, o combustível teve expansão de 9,5% nos motores flex fuel, enquanto o etanol teve redução em relação a 2021, segundo dados do Relatório Síntese do BEN (Balanço Energético Nacional), da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

É importante lembrar que há 20 anos o país conta com os veículos flex fuel, tecnologia que permite que os motores dos automóveis funcionem quando abastecidos com etanol hidratado ou gasolina C --composta pela mistura obrigatória de 27% de etanol anidro e 93% de gasolina A. Atualmente, 83% dos carros vendidos no mercado doméstico são flex, de acordo com a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).

A presença ostensiva da tecnologia na frota mostra que o consumidor nacional tem nas mãos a decisão de abastecer com o seu combustível de preferência, tornando essa uma decisão econômica entre 2 substitutos diretos.

Apesar de o etanol ser a alternativa mais adequada para a descarbonização do setor de transporte, a gasolina vem ganhando espaço na escolha do consumidor. O combustível fóssil acaba por ser a escolha mais viável em praticamente todo o país. Isso porque, na hora de abastecer, o preço dos combustíveis acaba sendo o fator determinante. Se o etanol custar mais de 70% do preço da gasolina, o derivado de petróleo se torna a escolha final.

A Petrobras, que mudou a sua política de preços para uma estratégia comercial de gasolina e diesel recentemente, vem praticando preços de venda em suas refinarias defasados com relação ao preço de paridade de importação. Apesar do atual aumento anunciado nos preços dos combustíveis, pois também houve ajuste no diesel, a gasolina está com uma defasagem média de -19%. Por consequência, o preço ao consumidor final da gasolina acaba afetando a competitividade do etanol.

Para atender a demanda interna, a importação de gasolina vem aumentando. O movimento ocorre, quase que exclusivamente, por parte da Petrobras, cujo crescimento das importações do combustível foi de 33,3% no 2º trimestre de 2023 frente ao trimestre anterior.

A falta de transparência na política de preços da Petrobras amplia o risco para os importadores independentes. E, diante do descolamento entre o consumo doméstico de gasolina e etanol, a petroleira está assumindo as rédeas da importação para garantir o abastecimento nacional. Um contrassenso no atual contexto de transição energética.

A moagem de cana no setor sucroalcooleiro está atingindo recordes que se estendem também à produção de açúcar. A safra 2023/24, até a 2ª quinzena de julho, teve um avanço de 9,7% na moagem e de 11,3% na produção, comparado ao mesmo período anterior. Ou seja, o problema não está na oferta, mas na falta de demanda.

O álcool hidratado, que concorre com a gasolina nas bombas dos postos de combustíveis, acaba sendo penalizado e, por consequência, também o setor sucroenergético.

O Brasil dispõe de inúmeros recursos capazes de colocá-lo na vanguarda da tão almejada transição energética. Contudo, o retorno da insegurança a respeito da precificação dos derivados de petróleo, sobretudo a gasolina, tem trazido incertezas ao mercado de etanol. Com isso, o país está desperdiçando o potencial de se tornar um dos protagonistas da urgente descarbonização global.

O etanol é o caminho mais inteligente e seguro para acelerar a transição energética da nossa matriz de transporte. Porém, isso exige políticas públicas eficientes, política de preços transparente e regulação bem estabelecida.

*Adriano Pires - Sócio-fundador e diretor do CBIE, doutor em economia industrial pela Universidade Paris 13, mestre em planejamento energético pela Coppe/UFRJ e economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

Poder 360 - via Portal UDOP