No setor de combustíveis líquidos, o Brasil está diante de duas opções: resignar-se à condição de importador estrutural, construindo mais terminais portuários para viabilizar a compra externa de estimados 24 bilhões de litros de gasolina e 28 bilhões de litros de diesel por ano em 2025, com dispêndio anual de 20 bilhões de dólares, a preços atuais; ou criar condições que viabilizem a retomada do interesse no investimento privado em biocombustíveis, consolidando a sua transição da economia do carbono para a sustentável.
Por esse motivo, e considerando também que não há tempo hábil para se construírem novas refinarias de petróleo, o país está diante do desafio de criar uma regulação que revitalize o estratégico setor de biocombustíveis e da oportunidade de reafirmar o compromisso assumido no Acordo do Clima de Paris, fazendo parte da Plataforma Bio Future, lançada pelo Brasil e mais 19 nações na COP22 (Conferência das Partes sobre Mudança do Clima), promovida pelas ONU, em Marrakech, no Marrocos, em novembro de 2016.
Com isso, as metas de emissão de carbono seriam atendidas com uma atividade consagrada em nosso território, ao mesmo tempo em que se promoveria desenvolvimento econômico no interior. A intenção do governo brasileiro é ter o detalhamento e números para apresentar na próxima COP23, em Bonn (Alemanha).
As diretrizes dessa regulação, denominada RenovaBio, foram recomendadas recentemente pelo Conselho Nacional de Política Energética e aprovadas pela Presidência da República em 30 de junho. É proposta moderna e inovadora, que tem como ponto de partida a atual participação dos biocombustíveis na matriz energética e a premissa de que cresça ao longo do tempo, em harmonia com os demais combustíveis.
O objetivo da RenovaBio é induzir ganhos de eficiência energética na produção e no uso de biocombustíveis e reconhecer a sua capacidade de promover descarbonização. Com essa medida, e sem subsídios, será criada em definitivo uma previsão sobre o seu mercado futuro, induzindo, estimulando e viabilizando maior competitividade, menores custos e preços mais baixos para os consumidores.
Na área ambiental, os automóveis flex, quando abastecidos com etanol, já emitem menos gases do efeito estufa, em gramas de CO2 equivalente por quilômetro, do que o carro elétrico europeu projetado para 2040 (eletricidade de fonte fóssil). Esta é, intrinsecamente, uma conquista avassaladora.
Com a introdução de tecnologias já disponíveis no setor automotivo, será possível reduzir significativamente o consumo energético dos atuais veículos flex e diminuir ainda mais suas emissões.
Essa tendência deve se intensificar com a introdução dos híbridos flex, capazes de utilizar etanol, e de carros equipados com células a combustível movidos a etanol. O mesmo efeito será obtido com a expansão, nos transportes, do uso do biodiesel, do biometano e do bioquerosene.
A estratégia de desenvolver o mercado de biocombustíveis acelerará importantes setores a ele relacionados, como o de automóveis e autopeças, de máquinas e implementos, químico e de fertilizantes.
A renda gerada no interior tem impulsionado vários polos de crescimento em todos os Estados onde a atividade está presente, contribuindo de maneira expressiva para a arrecadação de tributos e menores investimentos em infraestrutura.
É valor que se gera e se mantém circulando na economia, em vez de ir embora na importação de combustíveis fósseis, que geram poluição local e aquecimento global.
O incentivo aos biocombustíveis representa oportunidades históricas de aliar as políticas de desenvolvimento agroindustrial e energética e de recuperar o setor da cana-de-açúcar, que sofreu enormes prejuízos nos últimos nove anos, advindos de políticas equivocadas de subsídio de preço e redução de tributos à gasolina, na direção contrária do que preconizam todos os países comprometidos com o controle do aquecimento global.
O Brasil tem uma vocação reconhecida na produção agroindustrial e o nosso setor de biocombustíveis é motivo de elogio de estadistas e especialistas de todo o mundo.
O governo federal toma uma medida acertada ao definir como meta a criação de bases sustentáveis para o seu desenvolvimento, sem sobressaltos, na direção de maior eficiência e menores custos para a sociedade no longo prazo.
A decisão ocorre no momento propício em que a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), representando o setor canavieiro, e a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) firmam compromisso para desenvolver soluções conjuntas destinadas ao fomento dos biocombustíveis e da engenharia automotiva nacional e que o presidente da Petrobras anuncia apoio ao seu desenvolvimento.
Com a energia renovável que vem da terra, nosso país ampliará muito a sua contribuição para a luta global contra as mudanças do clima e dará um novo e consistente passo para gerar investimentos, emprego e renda.
João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro formado pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP), presidente do Conselho de Administração do Grupo São Martinho, vice-presidente da Fiesp e membro da Academia Nacional de Agricultura