Vice-presidente da BYD convida montadoras no Brasil a ‘reconstruir’ indústria

Vice-presidente da BYD convida montadoras no Brasil a ‘reconstruir’ indústria

Uma vez concluída a negociação para instalar na Bahia a primeira fábrica de automóveis da BYD fora da Ásia, Stella Li, vice-presidente global da companhia, deixou o Brasil nesta quarta-feira (11) rumo ao seu próximo desafio: construir uma fábrica na Europa. Será a segunda planta de automóveis da empresa que se transformou na maior fabricante de carros elétricos do planeta. Li é a responsável pelo processo de internacionalização da montadora chinesa fundada há apenas 28 anos.

A agenda no Brasil “muito intensa, mas muito produtiva”, como a executiva definiu, começou há nove dias. Envolveu inaugurações de concessionárias, reuniões internas e com políticos e culminou na segunda-feira com a cerimônia que marcou a posse da fábrica que pertencia à Ford em Camaçari, uma polêmica negociação que durou quase um ano e só deu certo depois que o governo da Bahia reassumiu a área para cedê-la à empresa chinesa.

Graças à intervenção do governo baiano, a BYD (Construa seus sonhos, na sigla em inglês) não vai pagar nada pelo empreendimento. A contrapartida é o investimento inicial de R$ 3 bilhões e consequente geração de empregos. Já a Ford aguarda ressarcimento, dos cofres públicos estaduais, pelo que construiu naquele espaço e que pode nem servir para o novo plano industrial dos chineses.

Desta vez, Li veio acompanhada do fundador e presidente mundial da BYD, Wang Chuanfu, um bilionário que no mundo dos negócios automotivos tem sido comparado ao americano Elon Musk. Para frustração da imprensa brasileira, Chuanfu não concedeu entrevistas.
O executivo, dizem pessoas próximas a ele, é uma personalidade na China enquanto aqui é praticamente um desconhecido. A opção da companhia é dar prioridade para que a marca seja, por enquanto, mais conhecida do brasileiro do que seu fundador.

Com formação em Estatística, a ascensão profissional de Li se confunde com a da própria BYD, empresa com 230 mil funcionários, listada na Bolsa de Hong Kong e que em 2022 alcançou a receita de US$ 61,7 bilhões. Ela entrou na companhia um ano após a fundação. Sua mudança, primeiro para Hong Kong, depois para Roterdã, Chicago e, finalmente para Los Angeles, onde vive hoje, a preparou para o processo de expansão da companhia fora da China.

Li domina, com precisão, os dois principais assuntos governamentais que envolvem a empresa hoje no Brasil. Um diz respeito ao Imposto de Importação para carros elétricos, suspenso desde 2016. O tema, em debate no governo, movimenta parte importante da indústria automobilística veterana no país, que faz pressão pelo fim do benefício. O outro assunto envolve incentivos fiscais para o setor automotivo instalado nas regiões Centro Oeste e Nordeste, onde a BYD se instalará.

Li diz que em todo o mundo, as novas tecnologias recebem incentivos públicos e defende a isenção do Imposto de Importação para elétricos “por vários anos”. Mas ela não demonstra mágoas quando questionada sobre a posição da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), cujo presidente recentemente descreveu como “invasão” a entrada de carros importados no país, sobretudo chineses.

Li diz que a empresa quer até se associar à Anfavea. Mas ela acha que a indústria daqui precisa avançar. A executiva diz que a chegada dos chineses será “uma boa energia” para toda a indústria. E convida a “todos a reconstruir a indústria com uma inovação tecnológica realmente recente”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista que a executiva concedeu ao Valor na noite de terça-feira (10), um de seus últimos compromissos desta viagem ao Brasil.

Valor: A eventual volta da cobrança de Imposto de Importação para carros elétricos é um dos principais assuntos que envolvem o setor automotivo hoje no Brasil. Qual é a sua posição a respeito?

Stella Li: Todos os países, incluindo Estados Unidos, China, Europa e mesmo em dois próximos ao Brasil, Colômbia e Uruguai, têm uma política de incentivos financeiros para impulsionar a primeira inserção dos veículos elétricos. Se um governo não der nenhum incentivo nada acontecerá. Mesmo no México o imposto é zero. Alguns países deram dinheiro para o consumidor no estágio inicial. Na China, o governo deu cerca de US$ 12 mil para o elétrico se tornar acessível. Então, eu acho que no Brasil uma forma de dar incentivo é manter em zero o Imposto de Importação do elétrico e do elétrico plug-in.

Valor: E por quanto tempo?
Li: Devemos manter isso por vários anos, para fazer o mercado crescer. Hoje, se você viaja da Ásia até aqui percebe que a indústria realmente precisa avançar para as próximas atualizações. E com esse tipo de incentivo você consegue trazer a tecnologia para cá. É possível, assim, ajudar toda a indústria a crescer e se atualizar para o futuro próximo. Você não quer ser o último, ficar para trás enquanto o resto do mundo avança para o carro inteligente, certo? Acho isso super super importante. Para o Brasil e para as futuras gerações.

Valor: Na entrevista que concedeu ao “Valor” em junho, a senhora disse que o consumidor brasileiro se surpreenderia com os preços dos modelos BYD. Isso foi antes do lançamento do Dolphin, um 100% elétrico que chegou por R$ 150 mil. O consumidor realmente se surpreendeu? Qual foi a reação?

Li: Foi muito boa. No princípio, as pessoas achavam que o carro seria mais caro. Mas acharam o preço acessível e por isso as vendas estão crescendo.

Valor: A senhora acredita que marcas chinesas, como a BYD, podem ajudar a diminuir os preços dos carros no Brasil, que sempre foram considerados pelo consumidor como muito elevados?

Li: Sim. Mas estamos pensando no foco em carros elétricos. O modelo elétrico já é mais caro. Por isso, queremos ter preços mais competitivos, torná-lo mais acessível. Trazer inovação tecnológica mais inteligente e um design sexy, bacana. Como é na moda, um estilo. Podemos ter veículos com desempenho muito bom. Um exemplo disso é o Seal (cupê esportivo 100% elétrico lançado recentemente). Ao dirigir numa rodovia a sensação que você tem é a de que está voando como um pássaro.

Valor: Voltando à questão do Imposto de Importação, recentemente o presidente da Anfavea se referiu ao aumento de vendas de carros importados no país, principalmente os chineses, como uma “invasão”. Como a senhora avalia essa declaração?

Li: É uma definição errada. A BYD é a maior empresa de carros elétricos do mundo. Estamos trazendo o que há de melhor em tecnologia para cá. Acabamos de fazer a cerimônia da fábrica em Camaçari. Então, quando trazemos um grande investimento podemos oferecer oportunidades de emprego. Em um ou dois anos nos tornaremos uma empresa brasileira.

Valor: Imagino que a empresa talvez não queira se associar à Anfavea...
Li: Essa conversa é agora. Nós vamos nos juntar a eles. É preciso investir nas novas gerações de veículos elétricos. Isso será positivo para toda a indústria automobilística. Será uma boa energia para levar todos a reconstruir a indústria com uma inovação tecnológica realmente recente.

Valor: A senhora é responsável, na BYD, pela expansão da companhia fora da China. Ao concluir a negociação da instalação da unidade na Bahia, qual será o próximo passo?
Li: Temos planos de construir uma fábrica de carros na Europa.

Valor: Já foi definido em que país?
Li: Isso será anunciado mais adiante.

Valor: E nos Estados Unidos, onde o governo tem um robusto plano de incentivos apenas para quem produz localmente?
Li: Não temos planos para os EUA. Não vendemos carros lá.

Valor: E no futuro?
Li: Não sabemos.

Valor: A fábrica deixada pela Ford em Camaçari será reformada?
Li: Acredito que vamos revisar e fazer instalações totalmente novas na maior parte da estrutura. Acho que será nossa melhor fábrica.

Valor: E quanto tempo isso vai levar?
Li: Não sabemos ainda como será no Brasil. Na China, construímos uma fábrica em 11 meses. Aqui nossa meta é construir em até dois anos. Mas queremos ir mais rápido.

 

Valor Econômico