Visão de longo prazo prevalece entre agrícolas

Visão de longo prazo prevalece entre agrícolas

Empresas investem em digitalização para reduzir o uso de insumos e defensivos, em ganhos de produtividade e na diversificação dos biocombustíveis

Sorriso, no Mato Grosso, viu sua população crescer 66% entre 2010 e 2022, segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto o crescimento médio nacional foi de 6,5%. Com 110.635 habitantes, é o município que mais produz soja no Brasil e, lá, a Caramuru Alimentos, de Itumbiara (GO), uma das maiores processadoras de grãos do país, prepara-se para começar a produzir etanol de soja, em uma planta onde investiu R$ 115 milhões. “É algo novo, disruptivo, totalmente inovador”, comenta o CEO da empresa, Júlio César da Costa, a respeito do produto que será obtido a partir do melaço do grão. O volume esperado é de 10 milhões de litros por ano, que voltarão para o processo industrial, em uma economia circular. “Estamos focados em agregar valor e reduzir custos. Sai crise, entra crise, a toada não muda tanto”, afirma o executivo.

O ritmo, ou a toada, como diz Costa, também tem sido mantido na SLC Agrícola, de Porto Alegre (RS), que atua na produção e comercialização de grãos, algodão e sementes, além de gado bovino. “Sempre estamos animados com o nosso negócio. Obviamente há oscilações ao longo do caminho”, comenta o CEO, Aurélio Pavinato. “Nossa visão é de longo prazo. Procuramos evitar muita empolgação em momentos de euforia e não ficar tristes demais em momentos de baixa”, diz, acrescentando que a empresa vai bater recordes de produtividade em 2023 e que os preços dos grãos, embora menores, ainda estão em patamares adequados comparados aos valores históricos. Assim, a meta é continuar a crescer e aumentar a área plantada em 5% ao longo dos anos, preferencialmente com áreas arrendadas.

Aumento de área plantada por meio de arrendamento de terra é o que também prevê o Grupo Bom Jesus, de Rondonópolis (MT). Na safra de soja 2022/23, foram 213 mil hectares e a intenção é aumentar para 228 mil hectares no período 2023/24. O diretor comercial, Mauro Loro, conta que o desafio, em qualquer tempo, é ser cada vez mais eficiente “dentro da porteira” e analisar atentamente os diversos temas que fazem parte do agronegócio, como inflação, taxas de juros, preços dos insumos, fretes, câmbio e clima. “É preciso produzir bem, olhar para todas as variáveis e não perder o foco, porque, se alguma delas for mal administrada, pode comprometer o resultado”, diz.

Na Caramuru, que tem clientes na indústria de alimentos salgados e doces e na de higiene, um dos focos está em biocombustíveis, que respondem por 30% das receitas. Além da unidade de etanol de soja, a empresa vai investir R$ 210 milhões na ampliação de sua unidade de produção do biodiesel em Ipameri (GO), para dobrar a capacidade instalada de 1,5 mil toneladas para 3 mil toneladas diárias. As obras devem ser concluídas em 2024. Em Sorriso (MT), R$ 78 milhões irão para uma planta de glicerina bidestilada. Costa acrescenta que, nos próximos dois anos, os investimentos somarão R$ 368 milhões, fora os recursos destinados à manutenção da estrutura.

Diante da redução nos preços dos grãos, ele prevê que a receita pode ser um pouco menor do que os R$ 8,6 bilhões do exercício anterior, quando o crescimento foi de 13%. “Nada significativo, vamos ter um bom ano”, diz o executivo, para quem os volumes devem ser mantidos e até apresentar crescimento.

Segundo Costa, a Caramuru está colhendo frutos de escolhas que fez e a segurança nos resultados está ligada a cinco pilares estratégicos. Além dos combustíveis, um deles é a originação, que envolve o relacionamento com 5.500 produtores rurais e 59 unidades de recebimento. Outro é a logística multimodal, com investimentos e uso de portos, hidrovias e ferrovias.

O terceiro pilar é a oferta de produtos diferenciados a grandes clientes, como a proteína concentrada de soja (SPC), que envia para a Europa e é utilizada especialmente na alimentação de salmão; o farelo hipro, usado em fabricação de ração animal; a lecitina, vendida para indústrias de chocolate; e a glicerina farmacêutica. Esses e outros itens garantem pouco mais de um terço das receitas (36%).

Embora a soja seja o principal grão, ela processa milho e canola e tem incentivado o cultivo de girassol como opção de rotação de culturas. A Caramuru viu a área plantada crescer de 18 mil hectares em 2020 para 46 mil hectares em 2023, em Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso. Neste ano, espera receber até 70 mil toneladas de girassol, quase o dobro das 37 mil toneladas da safra passada. E a empresa já está apostando em linhas de produtos com óleo de girassol, com a marca Sinhá. Os produtos de consumo, que respondem por 15% do faturamento, estão entre os cinco pilares, com 150 itens disponíveis em 75 mil pontos de venda no país.

A exportação de grãos representa apenas 5% da receita da empresa. Costa informa que, na planta de etanol de soja, serão obtidas também 3 mil toneladas por ano de lecitina. O executivo cita ainda investimentos em armazéns e portos. Em Sorriso (MT), foram R$ 76 milhões em um armazém de 120 mil toneladas, e a capacidade estática da empresa é de 2,12 milhões de toneladas. Em Santana (AM), ela investirá R$ 80 milhões em um shiploader de 1.500 toneladas/hora de capacidade. No Porto de Santos, há planos de aumentar a movimentação, que em 2021 era de 3 milhões de toneladas ao ano, em 2022 foi de 5 milhões de toneladas e deve chegar a 7 milhões de toneladas em 2024.

Sobre a redução nos preços de grãos em 2023, o executivo comenta que a Caramuru tem uma política de hedge conservadora. “A volatilidade de preços não nos pega, porque, quando compramos a soja do produtor, já estamos vendendo, com o valor travado na Bolsa de Chicago”, conta.

Pavinato, da SLC, que possui 670 mil hectares de terra plantada em sete Estados, informa que o efeito dos preços não será muito expressivo nos resultados. “Estávamos com dois terços da safra vendidos quando os preços caíram”, diz ele, que prevê um 2024 de preços menores e custos também mais baixos, porque os insumos estão mais baratos. “A tendência é ter margens mais de acordo com patamares históricos.”

Depois da incorporação da empresa Terra Santa, em 2021, a SLC Agrícola comprou 12,4 mil hectares de terra em São Desidério (BA), em fevereiro. E, de acordo com o CEO, deverão ser mantidos os investimentos de cerca de R$ 600 milhões previstos para o ano, para manutenção, máquinas e correção de solos, entre outras ações.

Pavinato cita quatro pilares da SLC. Um deles é o crescimento por meio de áreas arrendadas. O outro é a busca de eficiência na operação, com investimento em agricultura digital para reduzir o uso de insumos por meio da aplicação localizada e seletiva de defensivos agrícolas. O terceiro consiste na obtenção de indicadores financeiros consistentes e o quarto prevê ter protagonismo em ESG. Isso inclui o trabalho de certificações para as 22 fazendas que administra e para a produção.

A empresa informa que tem atuado no gerenciamento do uso de energia e água, destinação correta de resíduos, manejo do solo com foco na redução de emissões de carbono e proteção de áreas de preservação. Pavinato cita, ainda, a prática de agricultura regenerativa, com plantio direto, cobertura de solo e aplicação de insumos biológicos em parte das lavouras, por meio de biofábricas. “Queremos ser exemplo.”

Na integração lavoura-pecuária (ILP), o número de cabeças de gado chegará a 40 mil em 2023 – eram 25 mil, informa o executivo. Outra ação citada por Pavinato é o uso das salas de inclusão digital montadas nas fazendas da SLC para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), em parceria com o setor público, que envia professores. Até agora 176 empregados da empresa já obtiveram a formação e há 414 cursando os ensinos fundamental e médio.

De acordo com Loro, do Grupo Bom Jesus, o agronegócio está mais responsável em todas as áreas, o que inclui o aumento da produtividade e práticas de sustentabilidade. “Criamos uma agenda ESG, estamos cuidando de maneira mais responsável do solo e usando menos químicos”, afirma.

O executivo comenta que lidar com cenários no agronegócio é sempre desafiador. Segundo ele, a vocação do grupo está na produção agrícola e, embora tenha feito aquisições de áreas duas safras atrás, as terras estão mais caras e a opção atual é por arrendamento.

O grupo planeja investir em máquinas e equipamentos e também quer melhorar a estrutura pós-colheita, em armazenagem e secagem. Estão previstos para 2024 investimentos de R$ 25 milhões e, em 2025, eles deverão somar R$ 50 milhões. “Não há como não estar animado com a atividade”, comenta Loro. “Vamos ter anos bons e anos não tão bons, mas o agronegócio vai se perpetuar.”

 

Valor Econômico